“O homem se chama sapiens porque ele mesmo pôs o nome. Mas acho que tinha que mudar o nome. Acho que os macacos são muito mais sapiens que nós. Porque eles vivem tranquilos, fazem as suas ferramentas, fazem aquilo que eles querem e não precisam fazer como nós. O homem não faz o que ele quer. Ele faz aquilo que ele tem que fazer, porque ele tem que ganhar dinheiro, porque tem que comprar roupa, porque tem que comprar casa. Tudo isso que os animais não têm que fazer. E o homem também não tinha. Depois, o homem foi inventar essas coisas. Tudo foi inventado de maneira a criar muito dinheiro para uns, com os outros trabalhando para aqueles ali”.
Palavras da arqueóloga Niéde Guidon ao TUTAMÉIA.
Uma das principais cientistas do país, Niéde revolucionou a teoria sobre a caminhada do ser humano no planeta. Suas pesquisas, na Serra da Capivara, no Piauí, revelaram que a ocupação humana na América do Sul foi muito anterior ao que afirmavam antigas teorias, chegando a até 100 mil anos.
A arqueóloga recebeu TUTAMÉIA em sua casa ao lado do Museu do Homem Americano, em São Raimundo Nonato (PI), um mês antes de seu aniversário de 90 anos, que acontece neste próximo domingo, 12 de março.
Rodeada por um diversificado jardim, passarinhos, 16 gatos e 4 cachorros, ela falou sobre suas descobertas revolucionárias na arqueologia, ciência, religião, família. Relembrou como enfrentou os coronéis, os caçadores e a cultura machista, patriarcal e violenta da região (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Na conversa, descreveu suas longas caminhadas, seu encontro regular com uma onça, sua escalada em paredões. Tudo para desbravar o que viria a ser o Parque Nacional da Serra da Capivara, Patrimônio Cultural da Humanidade, de acordo com a definição da Unesco.
Lá, em 129 mil hectares, estão catalogados 1.354 sítios arqueológicos; 600 têm as famosas pinturas rupestres, onde se pode visualizar cenas que indicam um cotidiano de caça, festa, sexo. É a maior concentração de vestígios ancestrais do mundo.
Niéde foi a descobridora e a responsável pela investigação dos sítios e sua preservação. Ao TUTAMÉIA, ela afirma:
“Aqui eles viviam muito junto da natureza. Hoje a vida é muito diferente. Você tem que estar trabalhando para ganhar dinheiro, para comprar casa, coisas que eles não precisavam fazer. Eles viviam na natureza como todos os animais. Porque nós somos animais, né? Depois o homem, com aquilo que se chama a evolução, o progresso, sei lá o quê, agora é todo cheio de necessidades. Precisa ter roupa; antigamente, não. Tudo, tudo, tudo foi mudando. Eu não pude viver como eles, mas acho que a evolução, como a gente vê, a situação vai ficando cada vez pior, porque as populações aumentam, a natureza está sofrendo muito e nós não sabemos como isso vai acabar”.
Sem poder percorrer o parque da forma como fez por 50 anos, Niéde agora se empenha numa variedade de jogos de computador.
“Eu gosto de jogar para ver se eu chego a grão-mestre. Cheguei a mestre. Só sou mestre. Não consigo chegar a grã-mestre. Não sei se vou chegar um dia”, diz.
Mais do que grã-mestre na arqueologia, ela se entusiasma quando se pergunta o que é mais belo na arqueologia:
“Você não sabe nunca o que você vai achar… A surpresa!”.
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