“Percebo sinais crescentes de uma mudança de época excepcional do pais. Como em toda a mudança, tem conflito na estrutura de classes, nas frações de classes que definem as próximas décadas. Tem avanços e retrocessos. Estamos vivendo uma fase de retrocesso, mas já com sinais de esgotamento e se descortina um horizonte melhor para o país”.

A análise é do economista Marcio Pochmann ao TUTAMÉIA. Professor da Unicamp, ex-presidente do Ipea e da Fundação Perseu Abramo, ele afirma:

“Estamos vivendo, do ponto de vista econômico, o momento mais importante dos últimos 250 anos. Porque estamos diante do deslocamento do centro dinâmico do mundo do ocidente para o oriente. Isso é uma transformação brutal”.

Segundo ele, “estamos nos encaminhando para o ponto ótimo da crise de mudança de época que estamos vivendo. A pandemia tem acelerado o tempo presente e colocado a encruzilhada de decisões que o pais precisará tomar”.

Nesta entrevista (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV), Pochmann avalia que o momento atual é só comparável a dois outros na história brasileira:

“O primeiro aconteceu na década de 1880, quando se deu uma inflexão na trajetória do país ao abandonarmos o modelo de sociedade escravista. A outra inflexão profunda foi na década de 1930, quando o Brasil vai abandonando a sociedade agrária e inaugura uma outra sociedade, urbana e industrial”.

O economista segue:

“Começamos 2021 com a atividade econômica mais de 7% abaixo do que havia sido em 2014. Na história republicana jamais tínhamos convivido com um período de seis anos de regressão. Desde 2014 o país não registra crescimento per capita da sua renda. Esse retrocesso é dramático do ponto de vista das classes trabalhadoras”.

DESTRUIÇÃO DA CLASSE MÉDIA PROPRIETÁRIA

Pochmann lembra que a década de 1990 inaugurou o processo de destruição da classe média assalariada.

“Com a pandemia, se inicia a destruição acelerada dos pequenos negócios, do que seria a classe média proprietária. Isso está gerando sinais de barbárie, que apontam para essa ideia de que é o ponto ótimo de uma crise de mudança de época. Em algum momento, o país vai ter que se definir melhor, porque essa trajetória de barbárie não permitiria nós nos mantermos enquanto nação. Essa é a questão crucial”.

Falando do processo em curso, ele declara:

“O Rio de Janeiro é uma nova Canudos brasileira, governada pelo crime organizado, pelas milícias e pelas igrejas. Isso é expressão dessa regressão que estamos vivendo. Em algum momento, a correlação de forças vai ter que se manifestar”.

DÓLAR COM DIAS CONTADOS

Apesar da situação sufocante, ele pondera que a situação do Brasil é melhor do que era na década de 1930. Lembra da força dos integralistas e nazistas no país naquele tempo. “Hoje se diz que a sociedade está polarizada, tem muito ódio. Em toda a mudança de época esses são aspectos que se destacam”.

Também comparando com experiências históricas, ele afirma:

“No ano passado, o somatório das despesas públicas agregadas, da União, estados e municípios, equivaleu a 47% do PIB. Nunca tivemos isso no Brasil; é difícil sustentar. Nos anos 1930, a situação dramática do café se junta com a crise internacional de 1929. Getúlio abandona o padrão libra-ouro, numa atitude de coragem. Os argentinos, que eram a sexta economia mais importante do mundo na década de 1920, ficam prisioneiros do padrão libra-ouro e têm dificuldade de sair da crise. O Brasil sai logo da crise de 1929, estatiza o comércio externo e faz uma auditoria da dívida brasileira. Essa década de 2020 é a década do fim do padrão dólar. O dólar está com os dias contados”.

Percorrendo as amplas potencialidades brasileiras, diz Pochmann:

“Ao invés da depressão pelo lamento do cotidiano, precisamos olhar para cima e perceber que tem espaço para construir algo diferente. Tem alternativa. Isso precisa esperançar o nosso povo. Somos capazes de nos soerguermos da tragédia na qual nos encontramos. Precisamos levar a boa nova. Esse é o papel fundamental da esquerda”.