A coordenadora regional do Movimento dos Atingidos por Barragens em Tucuruí, Dilma Ferreira da Silva, foi assassinada na noite da última quinta-feira, dia 21.3, em sua casa no assentamento Salvador Allende, zona rural de Baião, nordeste do Pará. Também foram mortos o marido da líder rural, Claudionor Amaro Costa da Silva, 42, esposo dela, e um conhecido do casal, Hilton Lopes, 38. De acordo com monitoramento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dilma é a primeira ativista pelo direito à terra a ser assassinada na Amazônia em 2019.

A ativista, de 47 anos, tinha longa história de luta. Em 2011, participou de uma audiência com a então presidenta Dilma Rousseff (PT) e entregou um documento em que pedia uma política nacional de direitos para os atingidos por barragens, com atenção especial para as mulheres atingidas.

A ex-presidenta distribuiu nota em que denuncia: “Dilma Ferreira Silva e seus familiares são as novas vítimas da violência no campo, autorizada pelo discurso de ódio e pelo descaso do atual governo.”

O texto lembra que “Dilma participava havia 30 anos do movimento, desde que uma barragem acabou com a cidade em que vivia. Em 2011, Dilma esteve em audiência comigo e me entregou um documento de reivindicações do MAB, com atenção especial às mulheres. No encontro, manifestei apoio integral do meu governo à sua luta.”

E segue: “O assassinato de Dilma Ferreira Silva é inaceitável. É mais um momento triste na história do MAB, que justamente hoje celebrava o “Dia Internacional da Água”. Como seus militantes dizem, `a água é para a vida, não para a morte!`.”

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), Helder Salomão (PT/ES) solicitou providências ao governador do Pará, Helder Barbalho ao secretário de Estado de Segurança Pública e Defesa Social, Ualame Machado e para o procurador-geral de Justiça, Glberto Martins.

“Considerando as informações preliminares, podemos dizer que possivelmente os crimes são uma reação à luta dessas pessoas pelos direitos humanos”, afirma Helder Salomão.

No documento, o presidente da CDHM pede agilidade na adoção das medidas cabíveis para apurar o crime e identificar os responsáveis. Solicita também que a CDHM seja informada que providências foram tomadas.

 “A nossa Comissão tem a atribuição de receber, avaliar e investigar as denúncias relativas a qualquer ameaça ou violação de direitos humanos. Além disso, o assassinato de defensores de direitos humanos é uma grave violação dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na Assembleia Geral das Nações Unidas”, explica o deputado.

COMO FOI O CRIME

Segundo o site Amazônia Real, a líder camponesa “foi encontrada degolada, provavelmente por arma branca (faca ou terçado), entre às 21 horas de quinta-feira (21) e zero hora em sua casa no assentamento Salvador Allende, zona rural de Baião, no nordeste do Pará. A polícia chegou ao local do crime por volta do meio-dia de sexta-feira (22)”.

Há suspeita de tortura e estupro, de acordo com declarações de Roquevam Alves Silva, coordenador do MAB em Tucuruí, ao site: “Da forma como ela foi assassinada, ela foi degolada. Há suspeitas de que ela foi estuprada e torturada, por isso tem que investigar muito para chegar aos criminosos. Não entendemos o motivo de tanta brutalidade”.

O Amazônia Real também informa que, segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup), o crime é tratado pela polícia como “execução”, mas ainda não há uma linha de investigação para o motivo e nem pistas dos autores. “A casa, onde também funcionava um mercadinho, estava toda revirada”, disse a Segup em nota, explicando que as investigações estão centralizadas na Superintendência de Tucuruí, com auxílio ao Núcleo de Apoio à Investigação.

Reportagem do jornal “Brasil de Fato” traz mais detalhes sobre o crime:

“Segundo as informações colhidas no local, cinco pessoas, em três motocicletas, chegaram às 21 horas de quinta (21) à casa de Dilma, onde também funcionava um pequeno comércio. Durante toda a noite, ouviu-se música alta – os vizinhos estranharam, pois não era hábito do casal. No dia seguinte, pela manhã, o ônibus escolar parou em frente à casa da militante, que trabalhava como monitora na escola da comunidade. Ao desembarcarem ao local, os profissionais do transporte encontraram os três corpos. As três vítimas foram amarradas, amordaçadas e, segundo os primeiros indícios levantados pelos investigadores, assassinadas a golpes de arma branca. A faca usada nos crimes foi encontrada e encaminhada para perícia. A coordenadora do MAB teve a garganta cortada e apresentava marcas de lesões corporais –a polícia trabalha com a hipótese de que ela foi torturada.”

HISTÓRIA

Maranhense, Dilma e sua família foram atingidas pela construção da usina hidrelétrica de Tucuruí – obra considerada a maior no país, inaugurada em 1984, durante a ditadura militar. A obra desalojou mais de 6.000 famílias.   “Dilma viu sua cidade ser alagada pela abertura das comportas. [Ela] vivenciou o descaso total no processo de reparação, passaram 30 anos desde o começo da obra sem nenhuma reparação”, informou o MAB.

O assentamento Salvador Allende está localizado no km 50 da Rodovia BR-422, conhecida como Transcametá. O assentamento é fruto da ocupação da fazenda Piratininga, feita em 2011 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Após um despejo feito por pistoleiros, o MAB se juntou ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e à Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf) na organização das famílias.

A área foi reivindicada, então, pelo fazendeiro Renato Lima. Ao constatar que ele não tinha documentação da terra, o Incra iniciou a negociação para destinar a área para reforma agrária e, em 2012, começou a distribuição dos lotes às famílias. Dilma recebeu um lote e passou a se dedicar ao trabalho na agricultura e à organização de um grupo de base no MAB na comunidade.

O documento entregue pela líder camponesa à então presidenta Dilma Rousseff no Encontro Nacional de Mulheres do MAB (foto acima), em Brasília, em 2011, afirma:

“Entendemos que a eleição da primeira mulher Presidente da República de nosso país coloca-nos, a todas, num novo patamar de luta por nossos direitos e traz para todas as mulheres atingidas por barragens a esperança.  Que a partir de vossa sensibilidade de mulher, compreenda bem e nossa situação e possamos avançar na construção de um país mais justo, fraterno e igualitário.”

A carta apontava a necessidade de “medidas estruturantes, de um processo participativo, de caráter popular, na definição da política energética nacional”, além da regulamentação de decreto assinado pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva sobre o cadastro de atingidos. Pedia ainda “a elaboração de uma nova política nacional de tratamento das questões sociais e ambientais nas grandes obras deste país, além de uma série de medidas de caráter emergencial para pagar a histórica dívida que o Estado Brasileiro tem com os atingidos por barragens”.