por AquilesRique Reis, vocalista do MPB4
Tenho na mão o novo CD do cantor paulistano Renato Braz, sem dúvida, uma de nossas vozes mais bonitas. Para obtê-lo, liguei e pedi ao músico que me mandasse o seu Canto Guerreiro – Levantados do Chão (independente).
Chovia fino em São Paulo quando comecei a ouvi-lo. A garoa acinzelava o céu. Sozinho, como convém a uma boa audição, fui sendo tomado por uma forte emoção, que aos poucos tomou conta de mim. Com o sentimento aumentando, ouvi as dezessete músicas. As lágrimas desciam.
Na verdade, as danadas vieram desde a primeira faixa, “Levantados do Chão” (Milton Nascimento e Chico Buarque). Renato canta dobrando a própria voz. Um intermezzo do violoncelo de Alceu Reis reforça a sonoridade grave do disco. Eu estava diante de um belo trabalho – não só musical como de uma sabedoria generosa e condizente com o momento pelo qual o Brasil passa.
Fui à segunda música, na qual é possível imaginar um Braz, afinado como ele só, braços e peito abertos à vida, cantando “Canto Guerreiro” (Luciana Rabello e Paulo César Pinheiro). Os versos do poeta me remeteram ao tempo do Centro Popular de Cultura (CPC): “(…) Vai, toda dor vai desaparecer/ E aí ninguém mais vai chorar”.
E, com apenas duas canções, Braz escancarou sua relação com a música e com o poder de conscientização que a arte musical tem.
De Joe Darion e Mitch Leigh, vem “La Quéte” (The Impossible Dream), ligada com a versão de “Sonho Impossível”, de Chico Buarque e Ruy Guerra. Acompanhados pelo violão de Dori Caymmi, Braz, Buarque e Milton Nascimento cantam. Ali senti que nem todo sonho é viável, mas sonho algum é impossível.
Mas foi com “Longe de Casa Eu Choro”, belíssimo samba pouco conhecido de Eduardo Gudin e Paulo Vanzolini, que, após a intro com o violão de Gudin, eu desabei de vez.
E então, uma analogia me veio à cuca: o disco de Renato Braz exerce em mim o mesmo impacto que senti ao ouvir o primeiro LP de Nara Leão, lançado pela Elenco em 1964: ambos são enfáticos em suas convicções e em suas doces belezas.
O LP de Nara e o CD de Renato Braz são necessários para mim como um SOS lançado ao mar numa garrafa. Ambos me encontraram num momento de grande apreensão, emoção, tristeza. Se um já me confortou um dia, o outro, hoje, vem a mim como um raio de esperança.
Com simplicidade majestosa, dirigido por Mario Gil e Braz, o CD tem um repertório no qual prevalecem os sonhos do cantor.
Diversas participações especiais, além das já citadas, revelam o valor da união entre pessoas que pensam, tocam e cantam diferente, mas que se dispõem a se unir e relevar litígios (quase) intransponíveis – é quando a força da união se faz ponte para um futuro melhor.
Braz na percussão (ele é craque também nos batuques) e seu violão se juntam ao violão de Gudin e aos “drum samples” de Mario Gil para cantar “Pesadelo” (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro). Ao ouvi-los, sentindo-me amparado, exclamei: “Não estamos sós! Ainda dá tempo! Há vozes que derrubam muros e constroem elos”.
Deixar um comentário