Eu não gostava do Claudiomiro, não podia mesmo: centro-avante do Colorado, era algoz do meu Grêmio. Mas não havia como admirar  (invejar?) a bravura e a disposição do Bigorna dentro da área. A notícia de sua prematura morte, aos 68 anos, no último dia 24 de agosto, entristece os boleiros, sejam de quais cores forem. Para lembrar um pouco da vida e da arte desse grande centro-avante do futebol brasileiro, TUTAMÉIA publica a seguir texto de JONES LOPES, grande jornalista gaúcho, meu contemporâneo de lutas sindicais e jornalísticas na década de 1970 em Porto Alegre. A ele agradeço a lustrosa contribuição.

GOL INAUGURAL 

A morte do goleador Claudiomiro há uma semana não deixa de ser mais um capítulo da morte do romantismo no futebol. O seu número 9 às costas não identificava apenas sua camiseta do Inter, Botafogo, Flamengo, Caxias e Novo Hamburgo, por onde jogou, mas glorificava a instituição do centroavante, aquele homem cuja profissão era fuçar, cavocar, desbravar um curto e povoado espaço da área alheia a caminho do gol.

Negro forte, atarracado e de altura média, Claudiomiro tinha ao mesmo tempo a força e a habilidade do drible curto e inteligente, uma sintonia fina com a bola pouco afeita aos jogadores com aquela perna de tronco de árvore. Foi assim que ele marcou 210 gols no período de 1967 a 1974 e numa temporada em 1979. Até hoje é o terceiro maior goleador do Inter.

Foi asim que ele foi a campo no dia 6 de abril de 1969 com o Beira-Rio lotado numa solene tarde de sol. Era dia de inauguração do novo estádio do Inter. Claudiomiro escutava iê iê iê e Roberto Carlos porque, claro, recém completara 17 anos, tinha corpo de adulto, mas rosto de adolescente.

Dezessete anos. O mais jovem em campo, diante de 70 mil torcedores nas arquibancadas de cimento novinho em folha. E o pior, o adversário era de meter medo. Do outro lado do campo, o todo poderoso Benfica, um dos maiores times da Europa, recheado de jogadores da seleção de Portugal que havia eliminado o Brasil de Pelé na Copa de 1966, em Liverpool, na Inglaterra.

O mais temido deles era o moçambicano Eusébio, outro dos centroavantes diabólico, mais maduro e mais célebre, aos 27 anos.

E Claudiomiro, no gramado intocado, olhava pra Eusébio com admiração de um fã. Na Copa da Inglaterra, quando a fama de Eusébio chegara ao ponto de dizerem que ele havia roubado de Pelé a coroa de rei do futebol, aquele centroavante do Inter tinha àquela época apenas 14 anos.

Pois agora era melhor esquecer o ídolo. E aí Claudiomiro pressentiu um cruzamento e cabeceou pra inaugurar as redes do Beira-Rio. Eusébio não deve ter registrado o nome do autor daquele gol mítico. Mas o futebol guardou para sempre.

Claudiomiro Estrais Ferreira guardava outro segredo. O sobrenome Estrais, na verdade, era Streiss. Sua mãe, dona Delaide herdou o sobrenome por ter sido criada por alemães.

Depois daquele jogo inesquecível, em que o Inter por fim venceu o Benfica por 2 a 1 na inauguração do estádio, Benfica e Eusédio voltaram para Lisboa. Claudiomiro foi festejar em Canoas, na grande Porto Alegre, onde ainda morava com a família. Afinal, tinha apenas 17 anos. Sua morte, aos 68 anos, é mais uma cena do fim do romantismo no futebol. (texto de JONES LOPES)