No dia em que o STF deu uma trégua a Lula, milhares de pessoas se aglomeraram para ouvi-lo em quatro cidades gaúchas. Em seus discursos, o presidente atacou a destruição do país promovida pelo governo golpista, as privatizações em vários setores, a demolição de programas sociais. Disse que quer voltar a governar para recuperar o país, a soberania nacional e revogar as medidas de Temer –convocando um referendo revogatório ou uma Constituinte.
“Quero voltar. Não sou acima da lei. Eu quero apenas a lei, a Justiça”, declarou. “Essa terra não se curvará à extrema direita nazista, fascista. É preciso dar liberdade para o povo escolher quem vai governar”, afirmou.
“Ninguém vai te prender neste país”, disse a Lula João Pedro Stedile, do MST. “O único tribunal que queremos é o tribunal do povo, são as urnas”, declarou durante discurso em Palmeira das Missões. “Ao eleger Lula, estaremos escolhendo um outro modelo para o desenvolvimento do país, para salvar nossa agricultura, para salvar nossos recursos naturais”, defendeu.
Nesta quinta, 22 de março, Lula iniciou os trabalhos da caravana em São Miguel das Missões. Visitou as ruínas arqueológicas onde, no século 18, jesuítas e indígenas ergueram uma igreja. No lugar, declarado Patrimônio Mundial pela Unesco, vicejou uma sociedade particular, com produção socializada. De forma polêmica, alguns estudiosos classificaram o modelo como uma “república comunista cristã”. Espanhóis, portugueses e bandeirantes destruíram tudo –apesar da resistência dos índios, comandados por Sepé Tiaraju, até hoje tido como um santo popular no Sul.
Lula percorreu o sítio, fez perguntas e ouviu uma apresentação musical indígena. Do outro lado da cerca, a uns 500 metros das ruínas, um ruidoso grupo de ruralistas novamente fazia ataques pelo alto-falante. Exibindo máquinas agrícolas, xingavam o presidente de ladrão e pediam sua prisão.
Desde cedo colocaram para tocar sucessos gauchescos. Somavam algumas dezenas. “Pagamos por essas máquinas”, diziam, em resposta à declaração de Lula de que ruralistas pegavam empréstimos no governo e depois não pagavam suas dívidas.
Na mesma linha, o vice-presidente do Sindicato Rural de Cruz Alta, Airton Carlos Becker, fez a convocação para os ruralistas protestarem contra a presença de Lula na região. Ao site “Notícias Agrícolas” declarou que há “um sentimento de revolta pelo que está acontecendo e ainda mais pelas últimas declarações dizendo que os produtores gostam de dar calote”.
E foi para Cruz Alta que a caravana de Lula se dirigiu após a passagem por São Miguel. Lugar onde nasceu o escritor Érico Veríssimo, Cruz Alta foi palco de batalhas históricas na Revolução Farroupilha e de degolas em série na Revolução de 1993. Na passagem de Lula por lá, os novos chimangos e maragatos ficaram separados pela Brigada Militar.
“Eles passaram o dia nos desaforando. Eles são donos das terras e acham que são donos das gentes. Mas eles não são donos das gentes”. Assim, num misto de raiva e advertência, Fernanda Steibreiner (foto) discursava na entrada de Cruz Alta. Uns 200 metros adiante, um punhado de direitistas, com suas máquinas agrícolas, soltava rojões e exibia o pixuleco.
Com o microfone na mão, Fernanda anunciou a presença de Lula no ato. O pessoal que se aglomerava ali na avenida agitou bandeiras e gritou o nome do presidente; alguns choraram. Eram famílias pobres, com chinelos de dedo, bebês no colo. Alguns, mais velhos, estavam de bombacha e chapéu de abas largas; outros chegavam com ajuda de bengalas.
Fernanda chamou de desaforados os opositores de Lula. Menos de uma hora antes, uma chuva de ovos foi jogada contra os ônibus da caravana. Os autores do ataque, um grupo estacionado na rotatória na altura de Entre-ijuís, também xingaram o presidente de ladrão.
No palanque de Cruz Alta, Lula ouviu o foguetório dos opositores e aproveitou para lembrar de campanhas políticas passadas quando não tinha “o privilégio de comprar rojão”. E emendou: “Para eles, sobra dinheiro para comprar rojão; para nós sobra verdade”.
Seguiu dizendo que queria conversar sobre soberania. “Os Estados Unidos que cuidem deles; nós queremos nos cuidar, cuidar de nossas fronteiras”, e enumerou riquezas do país, como a água. Sublinhou a importância dos investimentos em educação, da necessidade de abrir espaço para os mais pobres entrarem no ensino superior. Disse que o país, em vez de ser conhecido como grande exportador de ferro e soja, deveria exportar inteligência.
Lula também criticou a “elite perversa” que “não sabe cuidar do povo” e que não consegue entender ou não aceita a ascensão dos mais pobres –que uma menina negra, filha de empregada doméstica, possa entrar na faculdade.
Aplaudido em Cruz Alta, Lula seguiu para Panambi. Lá, foi recebido por outro grupo entusiasmado. Muitas mães, crianças, pessoas pobres que se diziam emocionadas, não acreditando que Lula estava ali, no alto de um caminhão de som. Alguns exibiam cartazes de apoio. Uma faixa de metalúrgicos também se destacava. O lugar, conhecido como “cidade das máquinas”, é um polo metal-mecânico.
Ali, Lula voltou a falar em defesa da soberania nacional, da importância do pré-sal e da destruição do Brasil. “Estão destruindo o Brasil antes de a gente chegar”.
Disse que o “pessoal mais rico não está acostumado a conviver com a democracia”. Que a “direita ficou nervosa” com a perspectiva de não voltar ao poder e fez “a maior sacanagem da história”, que foi o impeachment que derrubou Dilma Rousseff.
De Panambi, onde Lula foi presenteado com um cartaz em forma de coração, a caravana seguiu para Palmeira das Missões. O lugar, berço do MST, tem forte movimento de pequenos agricultores. Uma rua lotada de gente aguardava Lula.
No palanque subiram pessoas que fizeram relatos sobre o impacto crucial em suas vidas dos programas sociais, econômicos e educacionais dos governos Lula e Dilma. Falou uma estudante filha de agricultores que conseguiu se tornar engenheira florestal. Depois, uma família pobre que conseguiu construir uma lavoura diversificada e lucrativa contou sua história, assim como um líder indígena e um dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores. No final, uma cadeirante também seu depoimento.
Histórias de sucesso que Lula lembrou ao falar dos resultados dos governos petistas. Denunciou a destruição promovida pelo golpe e condenou a venda de empresas e bancos estatais. Atacou a decisão de Temer de sucatear a indústria naval (forte do RS durante o governo Lula): agora o país vai voltar a importar plataformas, exportando empregos.
A jornada de Lula segue. No final da noite, na frente de hotel em Sarandi, a turma do ódio se concentrou novamente para xingar. Pediu o regime militar e chamou os nomes de [Jair] Bolsonaro e de [Carlos Alberto Brilhante] Ustra, torturador reconhecido pela Justiça.
Agora batizada de “caravana da esperança”, o comboio de ônibus não para.
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