O processo eleitoral na Itália é regido por normas que afastam a participação popular e provocarão mais instabilidade. É o que disse ao TUTAMÉIA o ex-senador italiano José Luiz Del Roio.
Com regras complicadas e mutantes, as eleições do próximo domingo (4/3) devem ter grande abstenção, prevê. Apontadas como favoritas, coligações de direita centram sua campanha no combate aos imigrantes, passando ao largo das questões econômicas e espalhando o ódio e a xenofobia. Eventualmente vencedoras, terão dificuldade para a formação de um governo –o que torna provável a realização de novo pleito em novembro, afirma o ativista.
Apesar do quadro sombrio, Del Roio aponta uma novidade nessas eleições: o recém-criado “Potere ao Popolo!”. Com apenas dois meses, ele reúne setores operários, movimentos sociais e a Refundação Comunista (ao lado, foto de manifestação do grupo). “É uma força unificante na esquerda”, diz.
Muito mais do que fazer prognósticos ou discutir os meandros do processo eleitoral, Del Roio falou ao TUTAMÉIA sobre o contexto histórico que fez a Itália chegar a esse quadro de esfarelamento da democracia, avanço das ideias fascistas e recuo na organização das forças progressistas.
Del Roio conhece a fundo a história e a política na Itália. Nascido em Bragança Paulista em 1942, ele foi do Partido Comunista e da Ação Libertadora Nacional, liderada por Carlos Marighella. Exilado na Itália, foi responsável pela recuperação e organização dos arquivos do movimento operário brasileiro, em especial os documentos reunidos por Astrogildo Pereira, hoje guardados na Unesp.
Na Itália, atuou como radialista e fez carreira política: foi eleito, em 2006, senador pela Refundação Comunista e integrou o parlamento europeu (parte do material de campanha, como a charge ao lado, foi criado pelo artista brasileiro Gilberto Maringoni). Antes, na virada do século, fundou com o célebre dramaturgo Dario Fo (1926-2016) um partido político chamado “Milagre em Milão”, nome inspirado no filme “Miracolo a Milano”, de Vittorio de Sica, de 1951.
É com essa experiência que Del Roio fala ao TUTAMÉIA sobre a tardia unificação italiana, em 1861, e da desapropriação das terras papais de 1870. Foi um processo de integração violenta, com a ação dos industriais ricos do Norte contra os pobres do Sul. O país ainda era muito fragmentado, cheio de dialetos, línguas, tradições locais.
“É Mussolini (1883-1945) quem unifica [a Itália] na repressão violenta”. Ditador que instituiu fascismo no país, ele foi o grande aliado de Hitler nas Segunda Guerra Mundial.
Mas, para Del Roio, “a unificação de verdade da Itália vem com a democracia e foi baseada no orgulho da luta antifascista, sobretudo na luta armada contra o nazifascismo. É a resistência que unifica a Itália, dá orgulho à Itália, que relança a Itália como grande país e a faz uma potência cultural e econômica”.
O ativista lembra que foi da base da resistência que surgiram as estruturas dos partidos do pós-guerra, que eram partidos de massa, com ampla participação popular. “O principal era a democracia cristã, ligada ao Vaticano. E o partido comunista de Gramsci. Esses partidos é que fizeram a Itália sair da desagregação”, em meio aos conflitos que foram surgindo com a Guerra Fria.
Del Roio segue: “A queda do Muro de Berlim significa o desastre para a Europa. Em toda a Europa, na Guerra Fria, se tinha partidos social democratas com políticas avançadas”. Isso porque era necessário fazer um contraponto ao comunismo soviético e, depois, chinês.
Mas, a partir de 1989, com a queda do Muro, conta ele, a maioria dos partidos socialistas muda de posição radicalmente: “Vão para o neoliberalismo”. E começa o “lento e constante desmonte do estado de bem-estar social”.
Na sequência, a “Operação Mãos Limpas destrói todos os partidos, com exceção do Comunista. É quando o PCI “entra para a traição”, afirma o ativista. “O partido se transforma, abandona os seus princípios, adota as políticas neoliberais”.
Assim, a Itália viu crescer o discurso que tenta igualar direita e esquerda, desqualificar a política e enaltecer visões fascistas. A guerra de libertação –que derrotou o fascismo—passou a ser tratada como “guerra civil” – e “acertos” de Mussolini foram propagandeados.
A insistência na veiculação discurso “quebrou o cerne que unificava a Itália e destampou o vaso de esgoto do fascismo que estava contido. É preciso ter cuidado em não destampar o vaso de esgoto do fascismo. Isso vale para o Brasil”, alerta Del Roio.
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