Por AQUILES RIQUE REIS, vocalista do MPB4
O menino: “O que será isso, mãe?”; a mãe, “Isso é música, meu filho”. Depois de uma noite de dor e sofrimento, o menino matutava: “Mas o que é música, mãe?”. O hospital era puro silêncio. Ouvia-se a voz sussurrada da mãe: “Música é aquela arte que a gente mais gosta, meu filho! O nome da música é ‘samba’. Aprender a cantá-la traz força”.
O menino fechou-se, tinha lá os seus segredos. Por exemplo, ele torcia para que o médico não viesse – não gostava do doutor. Toda vez era a mesma coisa: quando ele ia embora, minha mãe vinha até minha cabeceira com lágrimas nos olhos. De tanto relembrar a cena, o garoto evocava o que a mãe lhe dissera: “Isso é samba, meu filho”.
Horas depois ele sentia dor, mas era como se ela já não o machucasse tanto. Como um manto, a música acolhia o menino. No radinho de pilha, na cabeceira da cama, um cara cantava… sambas. Isso ajudava ao menino a deixar o medo de lado. Ele sabia que era preciso cantá-los como a mãe ensinara. Ao ensinar-lhe o “truque” do samba, a sabedoria materna ficara tatuada em seu corpo.
O menino tinha lá seus segredos, lembram? Pois é, mas, egoísta, ele nunca contou para mãe o quanto o samba o amava – nem para ela nem para ninguém. Já aprendera que a dor respeitava a música.
Sonho: todos os sambas do mundo reunidos num só álbum! Meu Deus! Na verdade um pendrive colossal que reuniria para sempre todos os bons sambas que existem no planeta.
Hoje em dia, cada vez que ouço um bom samba, lembro-me da fábula do menino doente. Agora mesmo tenho comigo um CD que tem o samba como protagonista. Refiro-me a Gênesis (independente), álbum do violonista sete cordas, cavaquinista e compositor Gustavo Monteiro, a voz certa para cantar seus sambas em tom menor, dignos do tal “pendrive colossal”.
Os arranjos contaram com instrumentistas prontos para tocá-los com o coração. As cordas, formidáveis. Muito bem gravadas e mixadas, harmonia e voz arrasam. O naipe de tamborins, somado aos pandeiros e ao coro, resulta fascinante. Enfim, Gustavo Monteiro se vale dessa competência para dar ao mundo a sua música, com seus parceiros.
Gênesis é de arrepiar, de chorar com suas belezas e nos fazer crer que a fábula do menino pode ser papo reto. O cuidado carinhoso com que gravou seu disco é enternecedor… definitivamente, os sambas de Gênesis fazem jus a estar em “Todos os sambas do mundo”.
Ficha técnica:
Concepção, produção musical e produção executiva: Gustavo Monteiro
Arranjos e direção musical: João Camarero (faixas 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8 e 13), Fernando Bento (faixas 10, 11 e 12) e Gustavo Monteiro (faixas 4 e 9)
Gravado e mixado por Fabrício Galvani, no Estúdio Galvani, Belo Horizonte – MG, entre janeiro e abril de 2021
Masterizado por Carlos Fuchs (abril de 2021)
Projeto gráfico e fotos: Daniel Capu (Pereira Filmes)
A gravação do álbum foi parcialmente custeada com recursos obtidos pelo artista por meio de aprovação no Edital 19/2020 da Lei Aldir Blanc do Estado de Minas Gerais.
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