“Meu pai entrou clandestinamente no Brasil, por Uruguaiana, no início de 1974. Era exatamente o início do governo Geisel, que tinha acabado de tomar posse. Quando meu pai não compareceu ao ponto clandestino onde ele teria de chegar, nós quase que imediatamente, minha mãe, principalmente, na mesma hora resolveu botar a boca no mundo, botar a boca no trombone. Nós tínhamos certeza, pela história política de meu, de que, eles não o perdoariam.”

Essa é a fala emocionada de Cristina Capistrano, filha do desaparecido político David Capistrano da Costa, em programa realizado pelo Comitê Popular de Santos Por Memória, Verdade e Justiça, com apoio do TUTAMÉIA, para marcar o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado –30 de agosto, conforme decisão da Organização das Nações Unidas aprovada em 2010.

O programa, que também teve a participação do jornalista e escritor Marcelo Godoy, autor de “A Casa da Vovó – Uma Biografia do DOI-Codi”, foi centrado na trajetória do ex-deputado pelo Partido Comunista Brasileiro porque boa parte de sua militância política foi realizada em Santos, como lembrou José Luiz Baeta, do Comitê (clique no vídeo para ver a íntegra e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Cristina contou um pouco da vida do pai, que começou a militar no PCB no início dos anos 1930, tendo participado do levante que ficou conhecido como Intentona Comunista. Também atuou na luta contra o franquismo, participando das Brigadas Internacionais na Guerra Civil da Espanha. Mais tarde, na França, integrou-se aos partisans, a resistência clandestina ao nazismo –e é considerado herói de guerra pelos franceses.

Em 1946, elegeu-se deputado pelo PCB, mas seu tempo de vida na legalidade durou pouco. Manteve-se firme da trincheira democrática como lhe foi possível, mesmo depois do golpe militar de 1964. Acabou tendo de sair do Brasil; na volta, foi descoberto, sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar. Até hoje a família não sabe onde foram jogados seus restos mortais.

“Nunca tivemos respostas diretas sobre o desaparecimento de meu pai”, diz a professora Cristina Capistrano, que também participou da resistência democrática à ditadura militar.

“É muito provável que as mortes de todos os integrantes do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro ocorridas em 1974 e 1975, a começar por David Capistrano, tenham sido autorizadas diretamente pela cúpula dos órgãos de segurança do regime militar e, em alguns casos até pelo ministro do Exército”, afirma Marcelo Godoy, traçando um quadro da repressão durante a ditadura militar.

Citando documento da CIA divulgado há cerca de dois anos, ele diz: “Ali fica evidente que o desaparecimento forçado, a tortura e o assassinato dessas pessoas se transformm em um método de ação do governo, que visava basicamente dois objetivos: garantir segurança para o projeto de  abertura –eles queriam a todo custo evitar que o PCB tivesse um papel importante na vida política brasileira nesse processo—e , ao mesmo tempo, colocar sob controle as ações da chamada linha dura dos órgãos de repressão, que trabalhava para o regime e que a toda hora forçava os limites”.

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE E ANISTIA

Cristina Capistrano diz:

“Meu pai foi legalmente anistiado, e minha mãe recebeu indenização da Comissão de Anistia quando era Ministro da Justiça o Tarso Genro. No entanto até o presente momento não recebemos o atestado de óbito nos termos que estava proposto, como “sob guarda” do Estado, porque logo depois que entramos com os dados, ainda durante o mandato da procuradora Maria Eugênia, Bolsonaro assumiu o governo e todos esses processos foram paralisados.  Minha mãe, Maria Augusta de Oliveira, morreu no ano passado, com 102 anos, sem esse reconhecimento do Estado.”