Há um enorme paralelo entre a situação atual e a crise que o Brasil viveu de 1950 a 1964. Hoje, como naquela época, os que se dizem liberais –antes a UDN e agora o PSDB—não conseguem vencer eleições e tratam de “sequestrar o processo político”. Eles não têm projeto para o povo e, para se perpetuarem no poder, querem ganhar no tapetão.
É o que afirma o economista Paulo Nogueira Batista Jr., ex-vice-presidente do banco dos BRICS (NBD), em entrevista exclusiva ao TUTAMÉIA. Antes a elite batia na porta da caserna para retomar o poder, diz ele; hoje, usa a Justiça e o Congresso. “É uma nova forma de golpe, judicial e parlamentar”.
Na sua visão, o processo em curso é grave e significa um ataque à democracia –não só a Lula e ao PT. É a segunda fase do processo iniciado pelo impeachment, que visa “inviabilizar a candidatura daquele que se mostra resiliente a qualquer ataque”. Lula, avalia, é o político mais ligado às classes populares desde Getúlio Vargas –ambos derrotaram as UDNs.
Ex-diretor-executivo do FMI, Nogueira Batista teme uma erosão por etapas da situação política –como ocorreu em 1968 com o AI5—“que nos leve de novo à uma ditadura”.
Segundo o economista, “a elite brasileira, em parte, nunca foi democrática; só foi democrática quando podia disputar eleição com chance”. Ele observa que esse grupo tem um componente servil, que gosta de se pensar como uma elite mundial, com um pé fora do Brasil.
É o que também afirmava o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, para quem havia no país dois tipos de elite: a dos partidários de Tiradentes e a dos partidários de Silvério dos Reis. Ou seja, não é possível reduzir a elite a um só grupo, como ocorre na Venezuela ou na Colômbia, compara.
FALSAS PRIMAVERAS
Na entrevista ao TUTAMÉIA, Paulo Nogueira analisou as origens do golpe em curso no Brasil. Afirmou que ocorreram “duas falsas primaveras” no país: em 2013 e em 2015. Salienta que esta última, das grandes manifestações pelo impeachment, parecia as passeatas pela família, pátria e religião realizadas às vésperas do golpe de 64.
Nascido em 1955, ele rememorou como, naquele tempo, também a classe média foi capturada pelas elites (derrotadas nas urnas) para impedir a continuidade de um projeto populista e trabalhista. No entanto ele identifica uma mudança importante: “A televisão brasileira perdeu a capacidade de convencer o povo. Só fez a perseguição judiciária [contra Lula] porque não colou a perseguição midiática”, afirma.
GOVERNO SUBMISSO
Para ele, o governo Temer “vai muito além do de Fernando Henrique Cardoso em termos de submissão”. Falou do momento regressivo em várias áreas, da volta da primarização da economia, da desnacionalização. O que, no entender de Nogueira Batista, provoca preocupação com a segurança nacional, considerando as enormes riquezas do Brasil. O país “está desarmado militarmente e intelectualmente. O complexo de vira-lata ressurgiu com força inacreditável”, declara.
Na conversa nos estúdios de TUTAMÉIA, em São Paulo, Paulo Nogueira tratou ainda das perspectivas da economia mundial, de China (onde morou por dois anos), de Trump, de Putin e de Alemanha. Falou da “turma da bufunfa” internacional _ uma “casta financeira transnacional com poucos elos reais com seus países”. E espinafrou as reuniões de Davos:
“Você quer saber o que não vai dar certo? Veja que é celebrado em Davos”. Davos, para ele, reúne uma “elite meio ignorante, muito autorreferenciada, cheia de marqueteiros e com pouca substância”.
HINO DA RESISTÊNCIA
Colunista da “Carta Capital”, Nogueira Batista defendeu o caminho do nacional-desenvolvimentismo para o país. E, apesar da conjuntura adversa, demonstrou otimismo. Sugeriu que a resistência adote como hino o samba-enredo da escola de samba Paraíso do Tuiuti, do Rio de Janeiro. “Não sou escravo de nenhum senhor”, diz a letra.
Aí vai letra completa:
Irmão de olho claro ou da Guiné
Qual será o valor? Pobre artigo de mercado
Senhor eu não tenho a sua fé, e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar escravidão e um prato de feijão com arroz
Eu fui mandinga, cambinda, haussá
Fui um rei egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se planta gente
Ê calunga! Ê ê calunga!
Preto Velho me contou, Preto Velho me contou
Onde mora a sengora liberdade
Não tem ferro, nem feitor
Amparo do rosário ao negro Benedito
Um grito feito pele de tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de cor
E assim, quando a lei foi assinada
Uma lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra bondade cruel
Meu Deus! Meu Deus!
Se eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social
Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertação
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