Por AQUILES RIQUE REIS, vocalista do MPB4
Em tempos de pandemia e negacionismo facinoroso, um bom samba soa como lenitivo para resguardar da dor. Por falar em samba, samba do bom, coisa de mestre no gênero, tenho na mão um CD que é façanha de bamba, pois traz o ritmo nas veias e o oferece ao Deus Samba.
Eu me refiro ao álbum Nascidos no Subúrbio (independente), gravado por duas personalidades do samba: Jorge Simas e Didu Nogueira.
Com apenas um álbum gravado, Didu revitaliza seu amor pelo ritmo que o embala desde o berço. Filho de Gisa Nogueira, sobrinho do saudoso João Nogueira e, por consequência, primo de Diogo Nogueira, Didu é um cara respeitado no mundo do Deus Samba.
Jorge Simas – conhecedor exemplar das músicas de João Nogueira – e seu violão de sete cordas têm lugar cativo no trono de grandes instrumentistas, compositores e arranjadores da música popular brasileira. Impressionando por sambas e criador de baixarias e levadas certeiras, Simas é digno de altos elogios vindos de seus pares e dos amantes do Deus Samba.
São dez regravações e cinco sambas inéditos. Didu está cantando melhor do que cantou em seu primeiro disco (maturidade!). Impressiona como sua voz tem o jeitão de emitir as notas como fazia João Nogueira.
Já Jorge Simas, com todo respeito, sambista que canta com arranjos dele e os grava ao violão, o faz como se rezasse uma bonita saudação angelical. Com voz de sambista da velha guarda, dizendo os versos com entusiasmo e cantando a melodia numa levada que seduz os versos, tudo resulta num suingue de responsa. Eis Didu Nogueira e Jorge Simas.
Os inúmeros instrumentistas arregimentados têm o ritmo como prece ao Deus Samba. Jorge Simas, além de escrever quase todos os arranjos, ainda tocou violão de sete e ajuntou-se a Marinho Boffa, Kid Bone e Adilson Bandeira para escrever outros tantos, enquanto Cláudio Jorge fez um. São criações que demonstram que tudo nasce do carinho explicitado na missão de referenciar as divindades que os protegem.
E vem o inédito “Violão Sem Cordas” (João Nogueira/Carlinhos Vergueiro), um belo samba. O intermezzo de violão vale-se do naipe de cordas para surgir com ainda mais força.
A seguir, novamente com as cordas bem utilizadas, vem “Minha Esquina” (João nogueira/Paulo César Pinheiro). A voz de Didu evoca a de João Nogueira. O sete cordas enriquece a bela melodia numa regravação enxuta.
Fechando, a inédita “Palmares – Nação Negra” (João Nogueira/Paulo César Pinheiro). Os tambores explicitam a presença de batidas que, desde tempo imemoriais, representam o candomblé de cada uma das nações: Congo, Guiné, Sudão e Daomé. Os mestres atuais mantém alguns desses toques em suas baterias, onipresentes e consagradas aos deuses.
Didu, nascido no Meier, e Simas, em Parada de Lucas, juntos ou separadamente estão presentes no mundo sambista, suburbano ou urbano. Jorge Simas e Dudu Nogueira têm o subúrbio como escola. Criados ouvindo samba, alimentam-se dele, como o samba à água benta.
Saravá, Deus Samba!
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