“A Revolução de 30 está viva. Getúlio Vargas ainda é uma referência. Ela foi o primeiro movimento de fato nacional, integrou economicamente o país, incorporou as massas, criou uma avançada legislação trabalhista e inaugurou cinco décadas muito boas para a economia. Existia um projeto. Havia uma crença de que um dia nos chegaríamos lá. Isso mobilizava corações e mentes com essa esperança. A coisa mais séria que aconteceu é que se perdeu a esperança. O pessimismo vai tomando conta. Se perdeu essa aglutinação em torno de um projeto de país”.
As palavras são do economista Pedro Cezar Dutra Fonseca em entrevista ao TUTAMÉIA. Autor de “Vargas: O Capitalismo em Construção”, um clássico para entender o período, ele discute as origens do movimento, suas contradições e o seu legado até os dias de hoje. Trata da relação de Getúlio com o capital externo, com os militares, lideranças oligárquicas e trabalhistas. Critica avaliações da sociologia uspiana sobre a revolução e comenta a situação atual do país (acompanhe a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
A Revolução de 30 começou em 3 de outubro de 1930 no quartel do Exército na Rua da Praia, no centro de Porto Alegre. Numa ação coordenada, rebeliões eclodiram em outros Estados. Repudiavam a eleição fraudulenta daquele ano e derrubavam a ordem oligárquica da República Velha. Ao final do mês, Getúlio Vargas chegaria vitorioso, de trem, ao Rio de Janeiro, encarnando a vitória de um processo político e social que sacudia o país e se agravara com a crise global de 1929. Naquela segunda década do século 20, os tenentes tinham derramado sangue em Copacabana, São Paulo tinha sido tomada com revoltosos, a Coluna Prestes tinha percorrido invicta 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil e a Semana de Arte Moderna e o Movimento Antropofágico tinham questionado as bases culturais da inteligência nacional.
Para Fonseca, a Revolução de 30 é essencial para se compreender como o Brasil saltou do 25º lugar na economia mundial, em 1900, para 8ª economia mundial em 1980, criando o maior parque industrial da América Latina. “Hoje a gente vive esse pessimismo, mas o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo de 1900 a 1980. Foi uma mudança muito significativa. A partir dos anos 1980 se desindustrializou e só perdeu posição. Há uma reversão”, afirma.
Entre as muitas realizações de Getúlio, o economista destaca a criação da CLT. Lembra que a criação de um salário mínimo já estava na proposta da Aliança Liberal, que agora, pelas armas, tomava o poder. Um dos primeiros atos do novo governo foi a criação do ministério do trabalho. “A legislação trabalhista era tão avançada que até hoje querem derrubá-la. Noventa anos depois, ainda acham que é muita coisa”, declara.
O economista lembra que em discurso de meados dos anos 1930, Getúlio disse: “Se a revolução não tivesse valido para nada, ela valeu para uma coisa: criar a legislação trabalhista. Se quiserem derrubar tudo que eu fiz, isso não vou conseguir derrubar”.
Para Fonseca, “Getúlio tem muito presente que para ter um país capitalista industrial é impossível não ter uma legislação do trabalho. A legislação do trabalho é uma invenção do capitalismo, não é do socialismo”. O pesquisador relata uma cena na qual Getúlio, no período do Estado Novo, foi até a Fiesp para convencer os empresários sobre a importância da legislação trabalhista, férias, 13° salário. Sem sucesso, ele volta para o carro e diz ao seu motorista: “Esses burgueses burros! Eu quero ajudá-los e eles não entendem”.
Professor de economia da UFRGS, ex-reitor da universidade, Fonseca analisa nesta entrevista diversos aspectos da Revolução de 30 e da figura de Getúlio. “Vargas nunca foi liberal. Nem na época de estudante ele acreditava em mecanismo de mercado. Ele foi positivista, depois flerta com o autoritarismo; no fim da vida fica mais com o trabalhismo, chega quase ao socialismo”.
Descrevendo as origens e os desdobramentos do movimento, o economista ressalta que a elite que assumiu o poder em 1930 não era industrializante. As lideranças eram do setor agrário voltado ao mercado interno, que se unem a outros segmentos da sociedade para derrubar o governo. Dessa aliança surge o projeto de valorização da indústria nacional. Um projeto que enfrentou resistência, especialmente do setor agrário exportador –o grupo que acaba derrubando Vargas.
Esse conflito entre os defensores do mercado interno e os exportadores está subjacente nas crises do período. Fonseca observa que Vargas implementa mudanças e monta uma estratégia para manter o apoio de parcelas da agropecuária. “Ele dá duas coisas em troca para o setor agrário. Primeiro, faz esse movimento sem ter reforma agrária. A maioria dos países do mundo e da América Latina que passam por processos de industrialização têm reforma agrária. Segundo, não leva a legislação trabalhista para o campo”.
Nascido em São Borja, como Getúlio e Jango, Fonseca conta que a opção por estudar o getulismo ocorreu só quando fazia o doutorado na USP. “Meu pai apoiou a revolução, pegou cavalo e tudo. Não chegou ao Rio, porque a revolução já era vitoriosa”. No estudo, diz, derrubou mitos que aprendera, como a comparação entre queremismo e populismo.
“Quis me libertar dos preconceitos. A esquerda criticava muito o Vargas; havia o atrito com os comunistas. Fernando Henrique Cardoso fez o favor, ao dizer que queria enterrar a era Vargas. A partir daí, uma parte da esquerda começou a pensar: ‘Esse tal de Vargas não era tão ruim assim como eu estava pensando’. A medida em que se começa a afrontar a legislação trabalhista, a Petrobras, a Embraer, isso gera repúdio nacional. A questão do projeto nacional não tem hegemonia, mas é uma ideia que não é abandonada. Espero que daqui a dez anos possamos comemorar os cem anos da Revolução de 30”, declara.
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