A condenação do presidente Lula não é contra uma pessoa; ela visa atingir “uma proposta que atende a população que sempre viveu na miséria”. É o que afirma ao TUTAMÉIA Valdênia Aparecida Paulino Lanfranchi, ativista de direitos humanos.

“O Lula está na frente porque ele representa e defende uma proposta. Ele representa o coletivo, e nós temos que estar juntos. O medo [da elite] é da proposta. Lula concentra hoje parte importante dos votos. A classe trabalhadora entendeu o que é ter direitos e não quer voltar atrás. Sentiu confiança na gestão do Lula”, diz.

Valdênia elogia a política habitacional dos governos petistas e os programas de acesso às universidades para a juventude negra e pobre. “Por que o golpe aconteceu? Porque o Brasil estava entrando no rumo certo, enfrentando a distribuição de renda. Só de acenar que estava trilhando o caminho certo, veio o golpe”.

Na sua visão, “eleições sem Lula é golpe”. Assim, a defesa da candidatura do ex-presidente “é a luta de todos que lutam pela reforma agrária, pela educação e por todos os direitos fundamentais. É uma luta de todas as mulheres”, declara.

TUTAMÉIA ouviu Valdênia em pleno 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Aos 50 anos, desde os 14 ela é ativista de direitos humanos. Começou atuando vinculada a comunidades de base, conhecendo as ideias de Paulo Freire e organizando lutas no bairro de Sapopemba, zona Leste de São Paulo.

Nos anos 1970, veio de Minas Gerais com a família em busca de emprego. Sapopemba crescia impulsionada pela expansão da indústria automobilística no vizinho ABC. Arruamento, água, esgoto, escola, toda a infraestrutura que hoje lá existe foi fruto de batalhas de movimentos sociais, conta Valdênia. No bairro atualmente vivem 300 mil pessoas; há 46 favelas.

Por sua trajetória, Valdênia sofreu –e sofre—ameaças. Foi vítima de violência sexual e tentativas de criminalização. Por razões de segurança, precisou deixar o bairro; ainda hoje está no programa federal de proteção aos ativistas de direitos humanos.

Morou na Paraíba, onde se tornou ouvidora da polícia –justo ela que teve tantos enfrentamentos com as forças policiais paulistas. Nesta entrevista, ela conta um pouco dessa história.

GOLPE CONTRA A MULHER

Antes, tratou do golpe de 2016 e seus desdobramentos para a periferia, especialmente a paulistana. Advogada, ela diz que o país perdeu suas referências legais a partir do momento do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Na sua avaliação, o impacto do golpe foi imediato. “Sentimos primeiro como como mulher, porque tínhamos uma presidenta. A questão não passou por corrupção. O primeiro impacto foi de ordem moral e ética.”

O segundo impacto do golpe veio com “o congelamento de verbas por 20 anos, atingindo diretamente os projetos e programas sociais”. Ela assinala que o prefeito João Dória, com sua política neoliberal, cortou verbas de programas sociais, em centros de referência da mulher, por exemplo o da região de São Miguel.

GOLPE AMPLIA A VIOLÊNCIA

O terceiro impacto do golpe veio na área da segurança. Na sua visão, houve aumento da violência, porque grupos de direita, voltados à segurança do patrimônio da elite “se sentiram autorizados a desrespeitar os direitos fundamentais”. Dessa forma, cresceram as abordagens truculentas, as invasões nas casas, as prisões por crimes forjados.

“Temos sentido isso no cotidiano. O impacto desse golpe só vem crescendo e tem aumentado a criminalização dos movimentos sociais. Os grupos reacionários se sentem autorizados; há o discurso do ódio”, analisa.

Para Valdênia, a intervenção militar no Rio é politiqueira: “Quem quer enfrentar o problema da violência não congela verbas que vão atender as necessidades sociais na área da saúde, da educação, da assistência social por 20 anos”.

Ela defende que o caminho para enfrentar a violência é fazer a redistribuição de renda. E a reforma agrária, a tributária e a revisão da legislação sobre drogas.

O Brasil, diz, vive hoje um “momento de enfrentamento. Estamos no meio de uma guerra de uma elite que quer manter o privilégio da oligarquia que sempre teve o controle dos espaços públicos. Tivemos alguns avanços e, percebendo a força da classe trabalhadora, eles se organizaram de tal forma que resultou nesse golpe. O golpe impacta em todas as instituições do Estado”.

GENOCÍDIO DE NEGROS, POBRES E PERIFÉRICOS

Assim, ela advoga a necessidade de união da classe trabalhadora e de seus parceiros –o único caminho para o enfrentamento do golpe. “Sempre no coletivo. Não há luta, não há transformação pelo indivíduo. Individuo sempre pode contribuir, mas a mudança, a transformação vem do coletivo”.

“Nós vamos ocupar, resistir. Não temos medo de colocar a nossa vida [em risco]. Porque a vida das mulheres já está sendo tirada quando tiram a vida de seus filhos. Mais de 30 mil jovens são executados todos os anos, o que que nós temos mais a perder? O grupo de apoio a mães de presidiários fala: ‘Nossos corpos estão mutilados, porque a perda dos filhos, sem direito sequer ao luto, nos gera doença’. A cada semana, nas reuniões, se diz: Maria não veio porque amputou o seio. A outra tirou outro pedaço. Elas adoecem e os cânceres tomam conta. Mas não domina, porque as mulheres estão se organizando em muitas frentes: é na luta da terra, pelos indígenas, pelos quilombolas, na luta feminista. E estamos juntas na luta contra ao golpe”, declara.

POR QUE ALCKMIN SUCATEIA A POLÍCIA CIVIL?

É a pergunta que Valdênia faz quando o tema é a polícia de São Paulo. Nas suas palavras: “As polícias precisam ser revistas. Elas estão militarizadas. Não devemos acabar com a instituição polícia. Por que o Estado de São Paulo está sucateando tanto a polícia civil,  que é a polícia investigativa? A impunidade tem a ver com a investigação. Se eu não tenho condições de fazer uma boa investigação, eu alimento a impunidade. O governador tem que responder o porquê dessa política deliberada de sucatear a polícia civil no Estado. A leitura que faço é: investir na militarização e não na investigação”.

Valdênia conhece bem o sistema policial. Foi perseguida por policiais em SP e, na Paraíba, como ouvidora da polícia, mergulhando nos meandros da instituição.

“Atuei muito na defesa de profissionais da segurança pública. Temos muitos profissionais policiais sérios e bons sofrem de mais dentro das instituições”. Segundo ela, muitos policiais não aceitam a mentalidade policialesca contra os mais pobres e não se envolvem com a criminalidade.

“Nosso enfrentamento não é contra o indivíduo policial; é contra uma política de segurança pública. Esse genocídio, o acordo com o crime organizado, é uma política. O governo que tem essa política está querendo estendê-la para o Brasil todo. Atenção, minha gente! A política do encarceramento em massa é comandada pelo Estado de São Paulo”.