Por AQUILES RIQUE REIS, vocalista do MPB4

Hoje vamos de Concerto para vaca e boi, o 20o álbum de Roberto Corrêa, uma das maiores referências da viola no Brasil. Contemplado pelo Rumos Itaú Cultural, o CD contém 12 faixas inéditas, já nas plataformas digitais.

Eu ouvi Roberto Corrêa pela primeira vez em 2009, quando ele, ao lado de Siba, ex-integrante do Mestre Ambrósio, lançou o CD Violas de Bronze. Desde então, eu o sinto como um instrumentista virtuoso que compõe como se nada mais lhe restasse na vida, a não ser revelar ao mundo o que lhe vai na alma musical, mineira até os ossos.

As violas utilizadas por ele na gravação do novo álbum foram ajustadas para atender às exigências de suas composições. A afinação, por exemplo, teve as cravelhas rústicas trocadas por outras mais adequadas. Outros tipos de cordas foram também experimentados, visando a maior equilíbrio na sonoridade dos instrumentos.

Segundo o release, as composições foram feitas especialmente por Roberto Corrêa para cada uma das seis violas brasileiras: repentista, de buriti, caiçara, machete baiana, de cocho e caipira. Isso sempre em duo com a viola da gamba: no disco, RC é acompanhado pelo experiente gambista Gustavo Freccia.

E mais: pela primeira vez, Roberto compôs para a viola da gamba, instrumento da renascença e do barroco muito utilizado no segmento da música antiga, que sempre o atraiu. Segundo o violeiro, “não há registro desse encontro das violas brasileiras com a da gamba. É a primeira vez”. Eis o que marca definitivamente o novo álbum de Corrêa!

“Boi Martelo” abre a tampa. RC ponteia a viola repentista. O som grave da viola da gamba desenha. Pelas mãos do violeiro e do gambista, elas trazem a sonoridade barroca.

“Boi de Rosa” vem com a viola buriti saltitando, buscando uma nota prolongada e grave da gamba. RC, com ponteios e volteios, confirma a singularidade do duo: Corrêa e Freccia são irmãos das cordas.

“Boi Saudade” dá vez ao dedilhado da viola caiçara. Compassos depois de uma nota prolongada pelo arco da gamba, a viola deflagra um ponteado arisco. Respirando com as cordas, o violeiro arrasa.

Em “Fado Boi” e “Vaca Chula”, a viola machete baiana, ora áspera, ora melodiosa, em assertivas passagens, demonstra a diferença de timbre entre as violas ora consagradas por RC. A limpidez do dedilhado sugere o auge do violeiro. A melodia encanta.

Em “Boi Pobreza” e “Vaca Flor”, a viola de cocho vem delicada e amparada pela gamba, com bonitos desenhos produzidos por Freccia. Logo a gamba assume o protagonismo. A levada ganha ritmo, para assossegar no final. Os temas são fascinantes! Meu Deus!

“Ramiro”: RC tem nas mãos a viola caipira. Ao entrar a gamba, a sonoridade explode alma afora – o duo é a cara do Brasil. A viola toca ao mundo.

“Vaca Fera”: fechando a tampa, sente-se que violeiro e gambista ofereceram as violas e a gamba num banquete pousado sobre mesas espalhadas aos quatro cantos: lá onde a música, plena de esperança, traduz o sonho de reaver um Brasil melhor.