“Qual era o jogo? Eu ponho o gado na rua, derrubo o governo e trago o gado de volta. Fizeram isso. Quando vem a Lava Jato, ela começa a ganhar vida própria. E, quando vem o bolsonarismo, ele vem com o profissionalismo do Steve Bannon e monta uma rede própria –em cima daquilo que a mídia havia semeado. Então, quando eles tentam chamar de volta, falam: ‘Não, agora nós temos vida própria’. Tem uma tentativa de recuperar a legitimidade do jornalismo. Fizeram um bom trabalho no caso da pandemia. Mas a mídia perdeu o bonde”.
A análise é do jornalista Luís Nassif ao TUTAMÉIA. Para ele, há hoje um grande déficit de mídia:
“Você não tem mais espaço de mediação. A mídia não é mais; nem tem abrangência, nem tem jornalismo. As matérias são para ganhar likes, não para definir projetos. Dão pedacinhos da realidade sem nenhuma contextualização. Esqueceram os pontos fundamentais do jornalismo escrito”.
Premiado jornalista e compositor, Nassif está lançando “O Caso Veja, o Naufrágio do Jornalismo Brasileiro” (Kotter Editorial). Nesta entrevista, ele trata do novo livro, da situação da economia brasileira, do poderio das finanças no país (explicitado recentemente nas falas do banqueiro André Esteves) e dos desafios para o jornalismo com o avanço da extrema direita (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Na avaliação de Nassif, criador do GGN, os grupos tradicionais abandonaram o jornalismo, num processo iniciado nos anos 1990 (com a aceleração da financeirização da economia mundial) e acelerado no Brasil a partir de 2005.
“O jornalismo passa a ter o padrão Datena”, afirma. Esse novo parâmetro, segundo ele, segue os passos de Rupert Murdoch, o magnata australiano-americano que catapultou a direita mundial por meio de suas redes, como a Fox News dos EUA.
No Brasil, aponta Nassif, o novo modelo foi implantado primordialmente pela “Veja”, da Abril, e foi seguido pelos outros meios tradicionais.
“É o discurso de ódio que campeia. Houve um pacto entre eles e tudo foi permitido. E, por trás do macarthismo, você tinha negócios”, afirma.
Nassif ressalta que as mudanças ocorreram num momento de transformação nos modelos de negócios da comunicação, especialmente com a ascensão das mídias sociais. Houve, na sua visão, “perda de rumo”.
“Para ter segurança nesse mundo você precisava ter grande apoio financeiro para as inovações tecnológicas e grande influência política para tentar segurar o avanço das redes sociais”.
A partir de 2005, assinala o jornalista, “Roberto Civita entra com uma fórmula e se torna o líder de todos os grupos. É, inacreditavelmente, a fórmula do Murdoch!”.
O contexto mundial estava se alterando, com incertezas na economia e guerras provocando ondas de migrantes para a Europa. “Tem uma onda internacional a favor da ultradireita. Há muita mudança de padrão, trazendo insegurança para as famílias, os empregos. Eles usam isso para criar um jornalismo de ódio e tentar ganhar o poder que a Fox News teve nos EUA. E, com isso, se tornaram partidos políticos”, ressalta Nassif.
“A partir daí, começa a deterioração do jornalismo. Tudo que a gente fala hoje –de fake news, de criar uma mentira, jogar na rede e aquela mentira ser multiplicada– foi inaugurado, no Brasil, pela mídia, com a Veja à frente, a Folha também entrando, a Globo repercutindo no Jornal Nacional”, declara.
Segundo ele, “a única saída daqui para adiante é voltar às instituições fundadoras das sociedades modernas: partidos políticos, associações, movimentos sociais, associações empresariais. Você vai ter que sair dessa balbúrdia do mundo digital”.
DESASTRE CONTINUADO E BALCÃO DE NEGÓCIOS
Nesta entrevista, ele aborda a situação da economia brasileira e vê “um desastre continuado pela frente, com nenhuma perspectiva de recuperação”.
Falando sobre os entreveros na área econômica do governo, ele observa:
“Bolsonaro sabe que no Brasil tudo se compra. Cada vez que ele se enfraquece, ele diz: ‘Estamos pensando em privatizar a Petrobras, ou vamos completar a privatização da Eletrobrás’. Imediatamente cessam as pressões. Institucionalmente, é um país sem caráter. Esse predomínio que o mercado financeiro adquiriu sobre a mídia e, através da mídia, sobre a opinião pública, criou um balcão de negócios como nunca ocorreu na história. Nunca! Talvez no início da República Velha”.
Sobre o áudio de André Esteves, do BTG Pactual, onde o banqueiro fala de sua influência no governo, Nassif defende a abertura de uma investigação.
“Taxa de juros é o grande mercado que permite grandes ganhos. Em cima de quê? Em cima da dívida pública. Depois, você corta dinheiro para a saúde, para a renda básica, porque não pode gastar. E permite todas essas operações em cima da dívida pública. Em qualquer pais civilizado, você estaria fazendo uma investigação sobre os leilões de dívida pública, de como foram os lances do BTG Pactual para investigar se houve ganhos”.
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