“Prisão preventiva, essas humilhações todas, essa parceria público-privada da imprensa com as autoridades, isso não funciona. Isso é fruto de um momento que o Brasil viveu, que eu espero que já tenha sido superado”.

A reflexão é do jornalista Paulo Markun ao falar ao TUTAMÉIA sobre seu livro “Recurso Final: A investigação da PF que Levou ao Suicídio de um Reitor em SC”, que trata do caso de Luiz Carlos Cancellier de Olivo.

Por dois anos, o escritor pesquisou sobre a vida do reitor, dissecou documentos oficiais e ouviu mais de 50 pessoas. Nesta entrevista, Markun relembra o episódio que chocou o país, trata do clima político daquele momento (a morte doi em 2 de outubro de 2017), avalia o papel da imprensa e das instituições no desenrolar dos eventos (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“A prisão de Cancellier e dos professores foi autorizada por uma juíza, foi solicitada pela PF, teve o aval do Ministério Público. Não foi algo feito como era no tempo da ditadura, na clandestinidade. A operação foi cercada de sigilo, mas foi acompanhada pelo espalhafato que era padrão na época. Uma prática implantada pela Lava Jato e que se revelou um contrassenso e um absurdo, porque não leva nem à eficácia nas prisões e muito menos ao respeito aos direitos humanos, aos direitos da dignidade dos acusados, à possibilidade de defesa”, diz Markun.

Avaliando os meandros do processo, ele afirma:

“Havia ali determinados procedimentos praticados na universidade que talvez não sejam exatamente debaixo do rigor das normas legais. Mas nada que aparentemente demandasse mais do que processo administrativo, sindicância, afastamento, devolução de dinheiro aplicado incorretamente. No limite, talvez, aqui ou acolá uma punição mais dura”.

No livro ele conta em detalhes as humilhações da prisão e dá detalhes sobre a atuação da polícia, da Justiça e da imprensa no episódio.

“O principal fato de o Cancellier ter sido envolvido na história é que se não tivesse um reitor dava menos manchete. Tinha política interna, disputas, um corregedor disposto a ‘salvar’ a universidade dos riscos, tinha o clima da Lava Jato, tinha a delegada Érika Marena –que tinha carimbado o nome da Lava Jato e que estava em Santa Catarina há pouco–, tinha essa má vontade com as universidades, que já era notória, tinha irregularidades, um monte de coisas. Mas pensa que se prendessem cinco professores da UFSC. Não era nenhuma novidade. Agora prender o reitor da universidade!”.

Na conversa, Markun também avalia a reação da sociedade ao episódio da prisão:

“A sociedade demorou para acordar. Até agora há questões para serem colocadas e resolvidas. Não que isso signifique que a sociedade e as autoridades não devam investigar, fiscalizar, cobrar, punir, fazer tudo que tem direito. Mas respeitados os trâmites legais e o direito ao contraditório, de defesa, que, por um certo tempo no Brasil, parecia que não valia. Isso contamina o clima da sociedade de uma maneira que as pessoas não conseguem reagir”.

Reconstituindo os últimos dias do reitor, Markun fala sobre o suicídio de Cancellier, num shopping de Florianópolis, aos 60 anos:

“Foi algo programado e planejado por alguém em desespero, em depressão, mas levado a isso pelas circunstâncias em que o direito de defesa dele não foi assegurado. Nem antes, porque não foi ouvido. E mais do que isso. Um cara que era do diálogo, do entendimento viu que diálogo e entendimento naquele momento não estavam valendo mais nada para o caso dele em particular”.