Por Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

 

O cantor e compositor Nino Karvan e o violonista, arranjador e compositor Alberto Silveira juntaram-se para fazer o CD De Lua – Canções de Luiz Gonzaga (Kuarup). Os arranjos são do violonista, e coube aos dois a direção musical do disco. Pois saibam que esses dois músicos sergipanos fizeram um álbum que já é uma referência do repertório de Luiz Gonzaga.

Selecionado dentre as mais belas e conhecidas músicas de Gonzagão, o duo se dispôs a olhá-lo com vistas respeitosas, mas também libertas. Sem jamais tê-los ouvido, juro que temi ter na mão um trabalho simplório, daqueles que são concebidos meio esbodegados, visando o lucro e, muitas vezes, sem noção da importância da obra que têm na mão.

Ora, a concepção artística do trabalho trata, isso sim, de recriar com o violão com cordas de aço de Alberto Silveira alguns dos clássicos do repertório de Gonzagão, dando-lhes sabor de contemporaneidade, pleno de ousadias. O violão toca valendo-se de todos os recursos capazes de dar ao instrumento o requinte de uma orquestra de pífanos ou de um trio de acordeom, zabumba e triângulo. Desde harmônicos, arpejos, dedilhados, desenhos e bordões com a corda mais grave do violão, até mudanças de andamento e afinações – tudo isso e muito mais o CD trouxe no malote que era um saco e o cadeado era o nó. Ao ouvi-lo, sentimos que ali está o dedo de Luiz Gonzaga, sem endeusá-lo nem o conspurcar.

Por sua vez, a voz de Nino Karvan é perfeita para entoar baiões, xotes, xaxados, aboios e para reinar no universo dos sertanejos. Sua voz dá conta da afinação, dos agudos, das divisões rítmicas e dos graves presentes nas melodias de Luiz Gonzaga. Bem segura pela harmonia, a voz sabe e sente o que dizem as imagens nos versos dos parceiros do rei do baião.

Mas vocês que não ouviram o CD, sintam só o arejo. Em “Légua Tirana” (Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga) está o primeiro arraso do violeiro: a intro é com um trecho do “Prelúdio em Dó Menor para Alaúde, BWV 999” de Bach. Tal acerto faz com que a emoção dispare e prepare o ouvinte para ouvir uma das mais belas canções de Mestre Lua. A letra de Humberto Teixeira é como um óleo sobre tela de uma cena amorosa.

Ainda não refeito da alegria de me dar conta de que a parada é papo reto, vem “Pau de Arara” (Guio de Moraes e LG). Preparem-se… toda a primeira parte é ad libtum, superbacana… só que cantada sobre o “Estudo No. 1”, de Villa Lobos. E aí é a tal história, quando vem a segunda parte, o ouvinte já está entregue.

“Acauã” (Zé Dantas) chega numa levada pop – mais lenta do que na gravação original de LG –, e vem também ad libtum. O violão dedilha acordes. Assim vai a primeira parte. Mas é quando entra a segunda que surgem a harmonia e a pegada mais pop. E Alberto, em falsete, entoa o canto do Acauã.

E assim o Brasil (re)conhece as belezas de um gênio. Nino Karvan e Alberto Silveira põem à disposição verdadeiros hinos à brasilidade que a genialidade de Luiz Gonzaga nos legou.