“Os comunistas existem praticamente em todos os países, às vezes de forma confusa, contraditória. Não é mais possível a existência de uma unidade de pensamento, mas uma unidade tem que ter. A unidade é a unidade anti-imperialista. Você não pode ser comunista se não é um anti-imperialista. Porque esse é o grande inimigo ainda a abater. E você não pode ser comunista se você não mantém, mesmo de forma não muito científica, a ânsia da igualdade. Hoje, há 900 milhões de pessoas com fome no planeta nesse momento. É possível você viver num planeta desse tipo? E não ser comunista para combater contra isso? Difícil.”
Palavras do jornalista José Luiz Del Roio, que entrou no Partido Comunista Brasileiro ainda adolescente, no final dos anos 1950, e desde então participa das grandes lutas pela democracia e pela igualdade, no Brasil e no planeta. Ele fala ao TUTAMÉIA por ocasião da comemoração dos cem anos da fundação do PCB, celebrados neste 25 de março (clique no vídeo para acompanhar a íntegra da entrevista e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Autor de “A Greve de 1917 – Os Trabalhadores Entram em Cena”, Del Roio traça um retrato do que era o Brasil no final da primeira década do século passado, mostrando o contexto que leva à criação da organização comunista, num congresso em que participaram nove delegados, eleitos por 73 pessoas militantes em 1922.
Os nomes, Del Roio deixa para o poeta Ferreira Gullar lembrar, num poema escrito há quarenta anos:
“Eles eram poucos.
E nem puderam cantar muito alto a Internacional.
Naquela casa de Niterói em 1922.
Mas cantaram e fundaram o partido.
Eles eram apenas nove, o jornalista Astrojildo, o contador Cordeiro, o gráfico Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro Luís Peres, os alfaiates Cendon e Barbosa, o ferroviário Hermogênio.
E ainda o barbeiro Nequete, que citava Lênin a três por dois.
Em todo o país eles eram mais de setenta.
Sabiam pouco de marxismo, mas tinham sede de justiça e estavam dispostos a lutar por ela.
Faz sessenta anos que isso aconteceu, o PCB não se tornou o maior partido do ocidente, nem mesmo do Brasil.
Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele.
Ou estará mentindo.”
Astrojildo Pereira foi a figura de proa, a espinha dorsal nesse processo, diz Del Roio, contando algumas das aventuras e da trajetória de formação daquele que foi o primeiro grande líder comunista do país. A própria história de Del Roio se confunde com a do fundador, pois, nos anos da ditadura militar, o jornalista acabou responsável pela guarda e pela retirada dos arquivos de Astrojildo Pereira, levados de forma clandestina para a segurança, na Itália.
Guardar a memória dessas figuras e de tantas outros, que deram a vida em defesa dos ideais e do povo brasileiro, por sinal, é uma das missões dos comunistas. Ao TUTAMÉIA, Del Roio lista alguns, de Prestes a Mário Alves, de Niemeyer a Portinari, de Graciliano a Jorge Amado, de Apolônio a Ísis Dias de Oliveira: “Não pode essa sociedade brasileira esquecê-los. Se não tiver memória, não tem futuro, minha gente”.
Fala, então das origens e do tempo presente:
“A ideia de comunismo nasce na Revolução Francesa. Nós sabemos que o comunismo é um objetivo um pouco misterioso, que nós queremos atingir passando necessariamente por um período de construção muito difícil, de luta contra o capital, construindo o socialismo. Capitalismo, o capital, contra o socialismo, o social. Nós vivemos um momento difícil, de redefinições. Mas os comunistas existem, apesar de tudo. Muitas vezes não têm a mística de viver num partido único; às vezes são diluídos na sociedade em diversos grupos e partidos. Aqui mesmo no Brasil nós temos comunistas em diversos partidos. Mundialmente claro que nós somos condicionados por um partido que tem 100 milhões de inscritos, que é o Partido Comunista Chinês, que dirige o Estado, que dirige hoje o maior Estado do mundo.”
Comenta o significado e aponta a razão de o espectro comunista gerar tantos ataques:
“Na palavra comunismo está incluída uma coisa muito simples: o governo, o Estado, a nação, a sociedade pertencem às pessoas comuns. Isso é uma linguagem que nasce na Revolução Francesa, com Graco Babeuf. A gente comum é o trabalhador. São as pessoas que constroem, que têm uma ideia do social. O social é o coletivo. O capitalismo é o capital. A palavra diz. O comunismo são os outros, aqueles que trabalham e que devem ter uma solidariedade entre si. A solidariedade do trabalho, a noção de que numa sociedade ninguém deve ficar para trás. Isso é insuportável para o latifúndio, para o grande capital. Porque eles acham que só um pequeno grupo deve governar. Que a nação é uma questão privada deles, não é uma questão comum. Daí a palavra comunismo assusta tanto. Não deveria, mas assim é.”
Assusta, mas também alimenta esperanças:
“Não tenha dúvida: depois de um século, sobretudo da Revolução Russa, Soviética, nós temos que reavaliar as nossas forças. Venezuela tem um governo fortemente eivado pelos comunistas. Não importa se não é o partido comunista. Mas claro que existe esse anseio. País cercado. Cuba, os comunistas existem. Sessenta e poucos anos. É impossível aquilo. Se não fossem realmente comunistas de ferro, não teriam resistido. Existem praticamente em todos os países, às vezes de forma confusa, contraditória. Não é mais possível a existência de uma unidade de pensamento, mas uma unidade tem que ter. A unidade é a unidade anti-imperialista. Você não pode ser comunista se não é um anti-imperialista. Porque esse é o grande inimigo ainda a abater. E você não pode ser comunista se você não mantém, mesmo de forma não muito científica, a ânsia da igualdade. Da igualdade entre a natureza, entre as civilizações, entre as diversas concepções religiosas, mas sobretudo entre os seres humanos. E deve existir a pietas, a piedade para com o seu gênero humano. Você tem que ter piedade, piedade com a sociedade nossa e com a sociedade mundial. Hoje há 900 milhões de pessoas com fome no planeta nesse momento. É possível você viver num planeta desse tipo? E não ser comunista para combater contra isso? Difícil.”
ALIANÇA COM BURGUESIA FOI MAIOR ERRO NA
HISTÓRIA DO PCB, DIZ EDMILSON COSTA
“O balanço da história do PCB é francamente positivo. Evidentemente que houve erros de estratégia de tática. Só não erra quem não luta. Um dos maiores erros do PCB foi sua estratégia de buscar ao longo de quase sete décadas uma aliança coma burguesia nacional”.
A avaliação é de Edmilson Costa, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, falando ao TUTAMÉIA na série de entrevistas sobre os cem anos do PCB. Ele afirma:
“Nesse período, o PCB imaginava uma revolução nacional e democrática, em que, num primeiro momento, você faria a revolução em aliança com a burguesia. E, nesse processo, o proletariado estaria mais organizado, mais forte. E, num segundo momento, você faria a revolução socialista. Essa estratégia foi um dos maiores erros que nos levou a algumas derrotas”.
Economista, Costa destaca nesta entrevista os altos e baixos do partido, os avanços nas mobilizações em períodos no século 20 e as várias cisões. Conta detalhes da tentativa de aniquilar a organização, no contexto do fim da URSS, compara a trajetória dos comunistas no Brasil e em outros países e enfatiza a presença majoritária de jovens na agremiação de hoje (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
“No período que vai de 1960 a 1964, nós éramos o partido mais forte, mais organizado e mais influente junto aos trabalhadores brasileiros. Tínhamos a maioria dos sindicatos mais combativos, o Comando Geral dos Trabalhadores, dirigíamos a Confederação dos Trabalhadores da Agricultura, estávamos presentes na UNE. Tínhamos comandos na área do exército, tanto na área de alto mando, como nas áreas de baixa patente, tínhamos comandos na Aeronáutica. E, em função dessa estratégia [de aliança com a burguesia], o partido não se preparou para resistir ao golpe. E, ao não se preparar para resistir ao golpe, possibilitou que o golpe militar tivesse uma vitória, quase como um passeio”.
“Não houve resistência. Não houve resistência porque o partido, que era o partido revolucionário que deveria resistir, não estava preparado para resistir naquele momento, em função da sua estratégia. De um lado, por acreditar nessa aliança com a burguesia e, em segundo lugar, em acreditar no dispositivo militar de João Goulart. Esse foi um dos maiores erros do ponto de vista histórico que o PCB teve, e que nós corrigimos no processo de reconstrução revolucionária”, declara.
PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO
MORREU EM 79, DIZ ANALISTA
“Em 1979, a direção do partido que estava na Europa já estava irremediavelmente cindida. Prestes e alguns de um lado e outros dirigentes de outro lado. A maior recepção dada a líder que veio do exílio no aeroporto do Galeão foi a Luís Carlos Prestes. Maior do que a de Arrais, de Brizola. Foi organizada pelo Cebrade (Centro Brasil Democrático). Prestes chega e diz que não se reúne com os outros do outro grupo e decide sair do partido, numa carta aos comunistas. Nessa ocasião morre o Partido Comunista Brasileiro”.
A análise é de Pedro Celestino ao TUTAMÉIA. Ex-presidente do Clube de Engenharia, nesta entrevista ele faz sua avaliação sobre as transformações do PCB, seus erros e acertos (acompanhe no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Diz Celestino:
“Desgraçadamente, o Prestes ainda era maior do que o partido, e os dirigentes que ficaram com o partido não tinham coesão também. E o movimento internacional já estava muito complicado. Já era uma visão eurocomunista; a URSS estava em crise. Foram tragados pela crise do socialismo real”.
Ele continua:
“Isso levou a um vazio que veio a ser ocupado parcialmente pelo PT, que se apropriou até da bandeira vermelha naquela ocasião. De lá pra cá, já não é uma história em que tenha havido participação do Partido Comunista Brasileiro. De 1979 para cá, embora haja legendas que tenham o nome de partido comunista, partido comunista do Brasil, partido comunista brasileiro, tem também refundação. Tem vários grupos que procuram levar adiante uma visão marxista ou marxista-leninista. Mas nunca mais houve uma organização que tivesse as características do Partido Comunista Brasileiro em termos de ação permanente em todos os campos da vida política econômica e social do país”.
E declara:
“O PCB teve uma influência muito grande entre os anos 1955 e 1979, especialmente na luta contra a ditadura. Esse é o legado de gerações de militantes com diferentes origens comprometidos essencialmente com um Brasil mais justo, mais democrático e soberano”.
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