Em 2005, fui com meus pais e minha irmã Cláudia até Fortaleza. Uma viagem de sonho, pois eu não conhecia o Ceará. Toda a minha família paterna (os Pompeus) é de lá. Passei a infância carioca ouvindo minha avó, Affonsina, cantar em versos e prosas as belezas de Fortaleza e seu verde mar.
Numa das tardes de uma semana de deleite e cultura, fomos visitar o Museu do Ceará. Ao entrarmos, demos de cara com o Memorial Frei Tito, criado em 2002. Senti alegria (e orgulho) ao compreender a homenagem da cidade a uma das tantas vítimas da ditadura militar.
Tito de Alencar Lima nasceu em Fortaleza no ano de 1945. Morou no Recife, Belo Horizonte, São Paulo. Morreu na França em agosto de 1974. Aos quase 29 anos, ele se enforcou com uma corda. Entre o nascimento e a morte, Tito teve manhãs entusiasmadas como ativista da Juventude Estudantil Católica (JEC), tardes pias na Ordem dos Dominicanos, noites intelectuais no curso de Filosofia da USP.
Ele também participou do Congresso da UNE em Ibiúna – aquele em que a polícia prendeu todo mundo. Mas sua vida entraria em rota para o desastre no momento em foi arrastado do Convento dos Dominicanos de Perdizes, São Paulo. A operação foi comandada pelo delgado Sérgio Paranhos Fleury –o temido e temerário chefe do Dops de São Paulo.
Frei Tito e outros dominicanos foram acusados de dar guarida a Carlos Marighella – o líder da ALN – Aliança Libertadora Nacional. No mesmo dia em que assassinaram Marighella, o cearense foi levado para sessões infindáveis e infames de tortura. Queriam saber um pouco do que ele sabia e muitíssimo do que ele ignorava.
Foi numa dessas sessões que Tito ouviu do torturador, capitão Albernaz: “Se você não falar, será quebrado por dentro. Agora, se sobreviver, jamais esquecerá o preço de sua valentia”. E tome choque elétrico, pau-de-arara, ofensas, xingamentos.
Por fim, frei Tito foi libertado e banido do país, com mais 69 presos políticos, em uma troca pelo embaixador suíço sequestrado Giovanni Enrico Bucher. A partir daí, Tito andou pelo Chile, Itália e França. Mas principalmente caminhou por seus sonhos e medos. Pelas lembranças dos ideais e da cadeira-do-dragão.
Pessoas que conviveram com ele nos seus últimos anos de vida relatam seu sofrimento psicológico profundo. Ele “via” o delegado Fleury e o capitão Albernaz o perseguindo a todo momento. Até que tudo terminou no bosque, na árvore, na corda.
Saímos do Museu do Ceará a tempo de aproveitar o pôr-do-sol na Praia de Iracema. A prefeitura de Fortaleza montava um megapalco para um show de música. Entre a areia, a brisa e os operários andávamos. Silenciosos. (Texto de Fernanda Pompeu, arte de Fernando Carvall)
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