No interior do Palácio das Princesas, sede do governo pernambucano, José Almino acompanhou os momentos dramáticos do golpe militar que derrubou seu pai, o governador Miguel Arraes em primeiro de abril de 1964.
Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, ele rememora as articulações de Arraes nos dias que antecederam a implantação da ditadura, os movimentos dos sindicatos rurais e das ligas camponesas. Trata sobre o jeito de governar de seu pai, fala do impacto do golpe para a família e dos tempos de exílio.
Filho primogênito de Arraes, José Almino nasceu no Recife em 1946. Sociólogo, trabalhou no secretariado das Nações Unidas e presidiu a Fundação Casa de Rui Barbosa. Tem vários livros de poesia e ficção; entre eles, “O motor da Luz” (Editora 34).
Nesta conversa, realizada em 27 de março de 2024, ele conta episódios marcantes daqueles dias e explica o contexto que deu impulso à economia canavieira nordestina naquele momento.
O Nordeste exportava açúcar. Quando houve o bloqueio de Cuba, aumentou muito a demanda por açúcar do Brasil. Terras que eram arrendadas pelo senhor de engenho foram reocupadas, tomadas, derrubando contratos feitos com os arrendatários.
Arraes recebia pessoalmente as pessoas em audiências públicas no jardim do Palácio das Princesas, sede do governo. Alguns casos ele encaminhava a assessores. Um deles, ficou gravado na memória de José Almino.
O camponês, que tinha um chapéu suado, contou que estava havia 10 anos na terra. A prova era que ele tinha uma plantação de laranjeiras, uma cultura que requer certo tempo de implantação. O que acontecera é que o senhor de engenho tinha quebrado a cerca e soltado o gado em suas culturas.
Isso foi em meados de março. No momento do golpe, o camponês voltou ao palácio. Notou que não havia no jardim a arrumação característica das audiências pública do governador. No meio do montão de gente que ali entrara livremente, reencontrou José Almino e contou a novidade: “Doutor, o homem mandou derrubar todas as minhas laranjeiras!”.
Ao TUTAMÉIA, Almino relata o episódio e desabafa: “Esse negócio eu não vou esquecer nunca”.
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Roberto Requião, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira.
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