Uma filmagem caseira, feita pelo pai de um aluno de uma instituição norte-americana de ensino, é o único registro em vídeo de uma apresentação original do Teatro de Arena nos anos 1970, comandado por Augusto Boal. O filme do “Arena Conta Zumbi” estava perdido –mais do que isso, praticamente ninguém sabia de sua existência até que a história emergiu, quase por acaso, numa entrevista recente que a viúva do dramaturgo e presidente do Instituto Augusto Boal, Cecilia Boal, fazia para recuperar informações sobre a turnê no Arena nos Estados Unidos. O vídeo com trechos da montagem agora é apresentado por TUTAMÉIA numa transmissão especial em que participam a própria Cecilia e o filho mais velho do casal, Fabián, responsável pelo trabalho de recuperação e reconstrução do arquivo.

“Arena Conta Zumbi”, nos conta o site do Instituto Boal, “estreou em 1º de maio de 1965 no Teatro de Arena de São Paulo. Escrito por Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, e dirigido também por Boal, tornou-se um marco na história do grupo, inaugurando a série de espetáculos musicais (com “Arena conta Tiradentes” e “Arena canta Bahia”) e o modelo dramatúrgico “Sistema Coringa”, criado por Augusto Boal.  A música do espetáculo é assinada por Edu Lobo.”

Segue o texto do site:

“Com o aumento da repressão política, após a assinatura do Ato Institucional nº 5, em de 1968, o grupo aceita o convite de excursionar pelos Estados Unidos, México, Peru e Argentina, reapresentando Arena Conta Zumbi. Ele inicia a turnê em 1969 com Cecilia Thumim, Isabel Ribeiro, Zezé Motta, Liam Duarte, Renato Consorte, Fernando Peixoto, Hélio Ary e Benedito Silvia no elenco, além dos músicos Theo de Barros, Antonio Anunciação e José Alves.” [NR.: Outros atores também se integraram ao grupo em diferentes momentos]

Foi nessa turnê, nos Estados Unidos, que aconteceu a tal filmagem, coisa que não era comum na época. “Boal costuma gravar os ensaios em gravador de voz, mas, em vídeo, nada”, lembra Cecilia na entrevista, em que ela também conta como ficou sabendo da existência do vídeo caseiro:

“Pouco tempo atrás, entrei em contato com Joanne Pottlitzer, a organizadora da tournée, e ela contou que muitos arquivos da sua organização, a TOLA (Theater of Latin America), estavam na Yale University. Foi assim que conseguimos essa cópia deste registro de ‘Arena Conta Zumbi’ Zumbi feito pelo pai de um aluno de uma escola das proximidades de Nova York. É o único registro em vídeo jamais feito de um espetáculo do Teatro de Arena. Temos registros fotográficos, mas não existe nada filmado dos espetáculos feitos naquela época –ou nós não temos conhecimento.”

Fabián, responsável pelos projetos audiovisuais do Instituto Augusto Boal, tinha cinco anos quando embarcou com o grupo. Acompanhava todos os espetáculos, aprendeu as músicas e adorava quando tudo terminava e ele podia brincar na bateria —que era tocada ao vivo durante a peça.

Hoje, aos 57 anos, ele diz: “Rever isso foi impressionante, mas o que mais me impressionou foi o quão atual continua a peça. Ainda os temas abordados continuam… Parece que foi feita para hoje.”

Segue: “Divulgar esse pedacinho do Arena, que é um marco, é muito inspirador. Para quem não teve oportunidade de assistir entender um pouco o que é, o que era e o que gerou. Não é à toa que esse governo tem tanto medo dos artistas engajados em defender os direitos dos brasileiros.”

E Cecilia, depois de contar algumas das aventuras do grupo durante a turnê e relembrar momentos difíceis do período da ditadura no Brasil –a prisão de Boal, a vida no exílio–, aponta:

“Tenho esperança de que as coisas melhorem, de que as coisas mudem, de que mais uma vez a vida consiga vencer a morte. Eu trabalho com psicanálise, e nosso trabalho é esse, que a pulsão de vida ainda possa superar esse momento terrível, pavoroso, de escuridão, de atraso, enfim, esse momento de merda.”