“Nossa elite tem uma desenvolvimentofobia. Olha o que fizeram com o Lula, que fez um governo que não mudou radicalmente as estruturas. Os ricos continuaram ricos e sem pagar imposto. Eles não aceitam nem um presidente conciliador, como é o caso do Lula”.

A avaliação é do economista Fernando de Mattos ao TUTAMÉIA. “O que aconteceu com os quatro presidentes que mais deram força para o salário mínimo: Getúlio, JK, Jango e Lula? É um símbolo da desenvolvimentofobia da elite brasileira. Getúlio se matou para não ser morto. JK e o Jango morreram em situações ultramisteriosas, em um espaço de pouco mais de três meses. E o Lula ficou 580 dias preso. A elite não suporta os conciliadores. Eles são reacionários mesmo”, afirma.

Professor da Universidade Federal Fluminense, ele está lançando, com Victor de Araújo, “A Economia Brasileira, de Getúlio a Dilma – Novas Interpretações” (Hucitec Editora). Com um olhar heterodoxo, o livro reúne textos de 16 autores sobre essas nove décadas do país. “Excelente contribuição para pensar o país, mas não só. É instrumento necessário de sobrevivência em tempos de negacionismo”, escreve a economista Leda Paulani (USP), na contracapa da obra.

Nesta entrevista, Mattos percorre momentos da história econômica, critica a atual condução da economia e aponta elementos para a retomada do desenvolvimento (acompanhe no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

No livro, ele escreve capítulo sobre Getúlio Vargas, personagem essencial para a construção nacional, e tema central desta conversa.

“O legado de Getúlio está aí até hoje. No golpe de 2016, eles procuraram enterrar não só o Lula, mas o dr. Ulysses e o Getúlio. Temos hoje uma economia com muitas semelhanças com o que era a República Velha. E há economistas com grande presença na mídia que elogiam isso!”, declara.

No prefácio do livro, o economista Pedro Dutra Fonseca (UFRGS), autor do clássico “Vargas: Capitalismo em Construção” (Brasiliense, 1987), destaca:

“No período de 1930 a 1980, ou de Vargas a Geisel, o Brasil foi a economia do mundo que mais cresceu (talvez excetuando-se o Japão), chegando nessa última década a um grau de industrialização sem similares na América Latina e mesmo em comparação a alguns países do Primeiro Mundo. A reversão desse quadro nas décadas seguintes, marcadas pelo baixo crescimento, desindustrialização exportações de baixo valor agregado e sem alteração nas desigualdades sociais, com a sucessão de ‘décadas perdidas’, afronta claramente o imaginário ortodoxo”.

Escreve Fonseca: “os governos entre 1930 e 1980, mesmo sob ideologias diferentes e marcados por inúmeros conflitos políticos, assumiram como prioridade o desenvolvimento, sob o arcabouço de uma estrutura social regulada, em que se atribuía ao Estado papel relevante para conduzir o país a um futuro almejado”.

Ao TUTAMÉIA, Mattos ressalta o papel central do Estado na história e para a formulação de uma estratégia de superação da crise atual: “Não há um exemplo de país que se industrializou sem que tivesse tido uma forte presença do Estado na condução do desenvolvimento”, afirma.

Lembrando de Celso Furtado, ele ressalta: “O mercado interno brasileiro é um grande ativo que nós temos. Um país como o Brasil não consegue crescer somente apostando em exportações, embora elas sejam muito importantes também. Um país como o Brasil precisa apostar no seu mercado interno”.

Preparando um livro sobre desigualdades, o economista da UFF enfatiza o papel de políticas como a de valorização do salário mínimo:

“Quando o salário mínimo sobre, sobe a renda geral da economia. Esse foi um dos fatores importantes para a redução da desigualdade no governo Lula. Foi um grande legado do período Lula”.

Para o futuro, ele aponta:

“O primeiro ponto é pacificar o país, o que não é fácil. O exemplo da história nos mostra que é preciso alguma paz política. Tem que ter democracia. Você pode ter crescimento sem democracia, mas aí não é inclusivo e geralmente dura pouco também, como foi o caso do governo militar. Tem que ter uma aliança de classes. Tem que ter uma preocupação em debater a natureza as crendices com relação à gestão da política macroeconômica. E tem que ter combate à desigualdade. Tem que tentar conciliar isso tudo. Temos uma elite empresarial e na burocracia de Estado que sabe pensar. Pensar em economia verde e na área de saúde. Sou moderadamente otimista”.