Era um plano terrorista: Bolsonaro e seus cúmplices pretendiam explodir “bombas em instalações militares –sem machucar ninguém, mas deixando claro sua insatisfação com os soldos”. Essa foi a revelação feita pela revista “Veja” em outubro de 1987, quando divulgou detalhes da operação “Beco Sem Saída’.

A reportagem provocou celeuma nas instituições militares e no governo naquele início do processo de redemocratização no país. O ministro do Exército, porém, optou por condenar a imprensa e ficar ao lado do capitão –apesar de outras demonstrações de insubordinação que Bolsonaro havia feito.

A reportagem era mentirosa, dizia Jair Bolsonaro. O Exército, porém, abriu processo contra o capitão –um procedimento chamado Conselho de Justificação.

Com base no depoimento de várias testemunhas e, especialmente, analisando documentos e laudo grafológicos sobre a origem de dois desenhos feitos por Bolsonaro –um deles detalhando onde seriam colocadas bombas para explodir a adutora do Guandu–, os juízes militares concluíram pela culpo capitão. Ele foi condenado por 3 a 0.

O ministro Leônidas Pires, que inicialmente havia acreditado nos desmentidos do capitão, foi a público assumir seu erro: “Lamentavelmente, os desmentidos dele não procedem”. E mandou ao Superior Tribunal Militar a decisão do Conselho de Justificação.

É aí que começa a lambança, destrinchada passo a passo no livro “O Cadete e o Capitão” (ed. Todavia), do jornalista Luiz Maklouf Carvalho, que concedeu entrevista ao TUTAMÉIA para contar como construiu essa grande reportagem sobre a planejada excursão terrorista do hoje presidente do Brasil.

“Era uma ótima história, mas mal contada”, disse ele, que teve acesso não apenas aos documentos do STM e à documentação que registra a trajetória de Bolsonaro no Exército, como ao áudio da sessão de julgamento do capitão naquele tribunal superior.

“No livro, temos pela primeira vez essa história contada com pé e cabeça. Agora se sabe exatamente o que aconteceu”, diz o jornalista, que também é bacharel em direito e autor de vários outros livros-reportagem, como “Mulheres que Foram à Luta Armada” e “Já Vi Esse Filme: Reportagens e Polêmicas Sobre Lula e o PT”.

O fato, diz Maklouft sobre Bolsonaro, é que “ele foi eleito sem que ninguém –exagerando um pouco—soubesse o que de fato tinha acontecido. Agora se sabe o que de fato aconteceu”.

E o que aconteceu, segundo comprova a documentação apresentado pelo jornalista, foi um grave erro do Supremo, que acabou absolvendo Bolsonaro por 9 a 4.

No coração do erro estão exatamente os laudos sobre os croquis feitos por Bolsonaro, que sempre negou a autoria dos desenhos. A defesa, feita por ele mesmo, alega que havia quatro laudos e que o resultado era um empate, dois apontando a autoria e dois a negando. Portanto, havia dúvida razoável e, na dúvida, o réu deveria ser beneficiado.

O que os documentos apresentados por Maklouf –e desde sempre disponíveis para os juízes—é que essa argumentação era absolutamente mentirosa. Havia apenas um laudo inconclusivo, feito com base em cópia xerox do desenho publicado na revista “Veja”, e dois laudos apontando Bolsonaro como autor dos croquis do plano terrorista. Esses dois últimos documentos foram feitos com base nos croquis originais, entregues pela revista “Veja” ao tribunal.

Na entrevista ao TUTAMÉIA, Maklouf detalha as idas e vindas do processo de análise e explica em que Bolsonaro se baseou para criar a confusão que acabou por absolve-lo.  Ocorre que um laudo –o de número 58/87—realizado pela Polícia do Exército inicialmente apontou resulta não conclusivo; posteriormente, porém, a perícia foi refeita, desta vez com base no desenho original, e o resultado foi modificado, passando a apontar a culpa de Bolsonaro.

“O que minha pesquisa mostra”, diz o jornalista, é que “jamais houve empate nenhum, jamais houve dois a dois. O que há na papelada são dois laudos dizendo que os croquis são de autoria inconclusiva. Significa que não se sabe de quem são os croquis. E dois laudos dizendo que, com certeza, os desenhos promanaram do punho do capitão Jair Messias Bolsonaro. Eu afirmo no livro, com toda a documentação comprovando, é que o que tinha nos laudos era dois a zero contra o capitão. Então, ele deveria ter sido condenado, e não absolvido”.

Ou, como ele resume em seu livro: “Nunca existiram quatro laudos. Apenas três –dois deles afirmando que o capitão era o autor dos croquis e, portanto, culpado. Foi como contar como válido, no final de um jogo de futebol, um gol anulado pelo juiz”.

O que fez com que a revista “Veja”, ao reportar o resultado do julgamento –e apesar dele–, acabasse por colocar sob uma foto do capitão legenda afirmando: “Bolsonaro: croqui é verdadeiro”.