“Há 150 anos, a Comuna de Paris foi uma revolução democrática, nacional e popular. Ela é uma âncora. Ela perdeu, foi vencida, mas as suas ideias continuam aí para serem reaproveitadas, redefinidas. Ela é invencível. A Comuna está viva, merece homenagem por ser uma experiência de reflexão para incentivar a nossa disposição de luta”.
A análise é do historiador Daniel Aarão Reis ao TUTAMÉIA. Nesta entrevista, ele fala das realizações históricas do movimento, do contexto que gerou a rebelião, das razões da derrota e do seu legado (acompanhe a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Professor da Universidade Federal Fluminense, ele também trata dos diferentes grupos que aturam na Comuna e das disputas nas avaliações históricas sobre a revolta.
“Para além das divergências entre anarquistas e marxistas, as conquistas históricas realizadas pelo povo na Comuna de Paris são resgatáveis por qualquer movimento que lute pela democracia, como o princípio radical democrático de fazer com que os representantes viessem para baixo, que fossem responsáveis a qualquer momento perante os seus eleitores e que não tivessem nenhum privilegio”, afirma.
Na visão de Aarão Reis, é preciso “recuperar a Comuna naquilo que ela tinha de mais substantivo, que é a radicalização da democracia, que tem como contrapartida o povo em armas, a destruição do exército, das forças armadas”. E segue:
“Foi um movimento de autonomia muito assombroso, de auto-organização, que foi recuperado na Revolução Russa, com os soviets. Na Alemanha houve revolução e recuperaram a tradição. No norte da Itália, nos anos 1920, também. Em toda a parte. No México, uns anos atrás, tivemos um movimento em Oaxaca que recuperou essa tradição. Quando o povo empreende, luta em defesa dos seus interesses, ele se auto-organiza. E ganha uma força tremendamente substantiva e difícil de controlar do ponto de vista dos exploradores, que ficam desesperados. Agora no Chile a gente teve um processo nesse sentido, no Equador também”.
Aarão Reis descreve a trama que ocorreu para entregar Paris aos prussianos e que acabou desencadeando a revolta. “O povo foi defender os seus canhões. Havia uma dose de nacionalismo muito forte na revolução. Foi uma revolução nacional, popular, uma revolução democrática radical. Pelas suas medidas sociais e pelo protagonismo que os trabalhadores tiveram, muitos sustentam que foi uma primeira revolução proletária. Tenho minhas dúvidas. Na época, Paris, nas suas formas de luta, nas barricadas, nas suas manufaturas, era muito mais ligada às tradições plebeias revolucionárias que tinham sido muito fortes no âmbito da grande Revolução Francesa, depois nas Revoluções de 1848. Paris era uma cidade revolucionária. A Comuna foi a última revolução plebeia”.
Na análise das razões da derrota, o historiador considera decisivo o fato de não ter havido uma aliança entre os trabalhadores urbanos e os camponeses, como ocorreu nos processos revolucionários na Rússia e na China. “A maioria da população da França era formada por camponeses que estavam pouco organizados, a reboque dos grandes proprietários de terra. Houve uma cisão entre trabalhadores rurais e urbanos”.
Aarão Reis desmonta versões que costumam apontar os revoltosos como selvagens, uma estratégia de demonizar os que se rebelam.
“Segundo dados oficiais, as tropas do governo mataram de 20 mil a 35 mil pessoas. Fizeram 36.309 presos, entre esses, 1,054 mulheres e 615 crianças. A Comuna prendeu 3.632 pessoas. A proporção de presos é de um para dez. A Comuna executou uma centena de presos. Versalhes, por baixo, executou 20 mil. A proporção é de um para 200. Quem são os selvagens? A selvageria foi praticada pela repressão à Comuna”.
A entrevista com Daniel Aarão Reis foi a última da série que TUTAMÉIA elaborou em homenagem aos 150 anos do movimento, que teve arte especialmente criada pelo ilustrador Cris Vector. A primeira, foi a entrevista com o historiador Antonio Rago Filho, da PUC de São Paulo:
Depois, as historiadoras Samantha Lodi e Samanta Colhado Mendes participaram de programa dedicado a lembrar a participação das mulheres naquela insurreição e debater o seu legado para a história, para os homens e as mulheres de hoje:
A questão da educação na Comuna foi analisada pelo historiador Wanderson Melo, da Universidade Federal Fluminense:
No 18 de março, dia exato do aniversário de 150 anos da Comuna de Paris, TUTAMÉIA trouxe um programa com algumas das canções dos communards. Artistas da mais alta estirpe atenderam ao chamado que fizemos e se mobilizaram para produzir gravações exclusivas para esse dia, interpretando composições da época ou fazendo leituras próprias daquelas músicas, com versões em português. Tivemos até a estreia interplanetária de um rap composto especialmente para o programa de TUTAMÉIA, sem falar de leitura dramática e apresentação de um texto sobre a posição de alguns dos mais famosos escritores da época acerca da Comuna –ouvimos Zola e Victor Hugo, por exemplo. Participaram do programa: ANNA MARIA KIEFFER. BEATRIZ TRAGTENBERG, CIBELE TROYANO, ILKA CINTRA, LIGIANA COSTA, LUCILA TRAGTENBERG e ROSA FREIRE D’AGUIAR.
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