QUANDO A DESIGUALDADE É VIRTUDE

por Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

Está na praça o CD duplo Dalva de Oliveira 100 anos – Ao vivo (Biscoito Fino). Gravados em shows realizados em São Paulo (Teatro J. Safra) e no Rio de Janeiro (Centro Cultural João Nogueira – Imperator), os espetáculos têm roteiro de Ricardo Cravo Albin.
Os álbuns contam com quase 1.000.034 vozes (?). À vera? 34 cantoras e cantores. À brinca? Mais de um milhão de vozes que cantam e amam as músicas de Vicentina de Paula Oliveira, a nossa estrela Dalva, “Rouxinol do Brasil”.
Idealizado e produzido por Thiago Marques Luiz, a reunião de desiguais surpreende pela diversidade de timbres e extensões.
Ao idolatrar a Dalva de Oliveira, as vozes se encaixaram plenamente na concepção do projeto. Mesmo desiguais, elas resultam homogêneas. Não suprimem, agregam. O canto, por mais subjetivo que seja, não constrange; harmoniza, complementa-se. E o universo de Dalva renasce nessa homenagem, na qual desigualdade é virtude.
Cada CD contou com um grupo diferente de instrumentistas: um quinteto no CD1 (arranjos e piano de Alexandre Viana) e um sexteto no CD2 (arranjos e piano de Dudu Viana). Músicos tocando arranjos eficientes.
A voz doce de Zé Renato, em “Palhaço” (Nelson Cavaquinho, Osvaldo Martins e Washington), contrasta com o vigor vocal de Agnaldo Timóteo, em “Lembranças – Un Recuerdo” (Seraphim e Gil Martinez Chucho).
A voz coloquial de Dóris Monteiro, em “Zum Zum” (Fernando Lôbo e Paulo Soledade), contrasta com o vibrato da voz de Gottsha, cantando “Hino ao Amor – Hymne à L’Amour” (Edith Giovanna, Margueritte Angele Monnot – Magda Viano, e versão de Odair Marsano).
As divinais Áurea Martins, com “Bom Dia” (Herivelto Martins e Aldo Cabral), Ellen de Lima, com “A Grande Verdade” (Luiz Bittencourt e Marlene), e Alaíde Costa, com “Calúnia” (Marino Pinto e Paulo Soledade), reavivam Dalva.
A força de Claudette Soares, em “Segredo” (Herivelto Martins e Marino Pinto), soma-se ao poder de Angela Maria, em “Neste Mesmo Lugar” (Klecius Caldas e Armando Cavalcanti), e ao vigor de Leny Andrade, em “Há Um Deus” (Lupicínio Rodrigues)… Meu Deus!
“Linda Flor – Ai Ioiô” (Luiz Peixoto, Marques Porto, Henrique Vogeler e Candido Costa), na voz de Tetê Espíndola, expõe o consenso na desigualdade quando ouvida no mesmo disco em que estão Maria Alcina, com “Kalu” (Humberto Teixeira), Edy Star, com “Fumando Espero” (Juan Villadomat Masanas e Feliz Garso, versão de Eugênio Paes), e Simone Mazza, com “Lencinho Querido – El Pañuelito” (Gabino Coria Peñaloza, Juan de Dios Filiberto, versão de Maugéri Neto).
Cida Moreira, em “Velhos Tempos” (Carlos Lyra e Marino Pinto), realça a teatralidade vocal de Célia, que, tendo partido em 2017, deixou gravada “Mentira de Amor” (Lourival Faissal e Gustavo de Carvalho). O tributo a Dalva de Oliveira é dedicado a ela.
A cada música sente-se que um suspiro de emoção vem da plateia. A plateia aplaude sorrindo, cúmplice. E os sorrisos revelam a alegria de suas almas.
Dalva de Oliveira, presente!