“A crise que está estourando não é do coronavirus. A crise que está estourando é do capital. O capitalismo opera na crise. A crise não é exceção, é regra. Quem sempre sofre é o povo trabalhador, o pobre. Os donos do capital, mesmo num momento de crise, não estão em crise. É preciso dar nome aos bois. A culpa de tudo que temos hoje é do capital. E a solução do problema se chama socialismo. Não posso temer falar isso. Tenho que ter orgulho”.
A visão é de Alysson Leandro Mascaro, jurista e filósofo do direito em entrevista ao TUTAMÉIA (ACOMPANHE NO VÍDEO ACIMA E SE INSCREVA NO TUTAMÉIA TV NO YOUTUBE).
Doutor e livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, o professor fala da ascensão da extrema direita no Brasil e dos caminhos para a resistência. Para ele, infelizmente, “o povo está alinhado ideologicamente com o capital. A população está adestrada a pensar com o capital, que tem um que manda e o resto obedece. A minha tristeza é não ter o povo na luta, para que ele saia da armadilha ideológica”.
Para ele, “a porteira do inferno está aberta e todas as hipóteses do inferno estão avançando, com a destruição institucional do país, a destruição econômica, o neoliberalismo”.
Na sua análise, o quadro só piorou com Bolsonaro, mas o momento crucial de virada foi o golpe de 2016.
“A porteira abriu para uma outra fase do inferno em 2016. Se uma presidente da República pode cair por pedalada fiscal, então qualquer coisa é possível. O arranjo das elites econômicas, até 2016, tinha um perfil do pacto de 1988. De 2016 para cá, voltamos ao leito de 1964. É beijar a mão de militar, ter militar na política. Ter o capital ganhando é o que importa. É discurso contra pobres, minorias, racismo, homofobia, machismo”.
Autor, entre outros, de “Crise e Golpe” (Boitempo, 2018), Mascaro lembra do período pós golpe de 1964, quando Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta publicou o “Febeapá – O Festival de Besteiras que Assola o País”. Traça paralelos entre aquele momento e as falas de governantes de hoje. “O padrão de uma direita civilizada acabou. Temos agora um febeapá de todas asa formas possíveis. O nosso CCC (Comando de Caça aos Comunistas) é a internet”.
O professor da USP descreve a evolução do pensamento conservador no país e encontra no yuppie da década de 1980 as origens desses inflamados militantes da direita “O yuppie é mais ou menos o homem de Neanderthal desse fulaninho nervosinho da internet”, afirma.


Na sua avaliação, a resistência de esquerda à extrema direita usa uma “plataforma fordista num mundo pós-fordista. A gente dá aula, escreve livros, faz coisas com começo, meio e fim, tem argumentos que vão se desenvolvendo até a última consequência, tem bibliografia consolidada”, afirma. E, do outro lado, “o sujeito faz um gesto com o dedo e ganha as massas”.
Mascaro fala da transição da teologia da libertação para a teologia da prosperidade. Trata da crise dos sindicatos e dos ataques à intelectualidade. Sobretudo, aponta a necessidade de os intelectuais falarem uma linguagem que seja entendida pelo povo. “A gente tem que ser que nem o Patativa do Assaré”.
Identifica erros na esquerda que defende as instituições, enquanto a direita ataca “o sistema”, camuflando seu real objetivo, que é o fortalecimento do capitalismo. “As instituições, a legalidade são o problema. A desgraça da sociabilidade é o capitalismo. As instituições são a manifestação da desgraça. A direita opera de modo muito melhor isso, porque a direita mantém o capital e briga com as instituições, o que eles chamam de ‘sistema’. O cara que escuta ‘sistema’ não sabe que a direita descolou o capital do sistema e o sistema é só o institucional, político. Daí, yuppie é o que dá certo e quebrar tudo faz sentido”.
Nesse embate, diz, a esquerda aparece como “menos potente, mais frágil, porque ela defende a ordem de tudo. Isso é o mais absurdo. O ser resistente de hoje quase sempre defende a ordem do capital. E quase sempre a direita está na beira de não defender o capital. O leninismo está com a direita, e não com a esquerda”.
E segue com um exemplo: “O problema do mundo não é o politicamente correto; o problema do mundo é o capital”.
Assim, afirma Mascaro ao TUTAMÉIA:
“Pode estar o pior quadro do mundo, mas não façam a defesa das instituições burguesas. Façam a defesa do que é necessário: a culpe de tudo que temos hoje é do capital. A crise que está estourando não é coronavirus. A crise é do capital. As pessoas não se comovem mais com o meio termo”.
E prevê: “Ao final do século 21, ou a gente estará num capitalismo de barbárie ou a gente já terá chegado no socialismo. O momento agora é de dor. Mas não sei por que o mundo tem que parar no capitalismo. A humanidade não nasceu para ser capitalista. Não é o fim da história”.