“Nossos filhos foram arrolados, criminalizados. As mães, até os dias de hoje, são criminalizadas como integrantes do PCC, como mães que herdaram as biqueiras de seus filhos, manchando dez vezes a honra de nossas famílias, jogando todo mundo numa vala, encobrindo os assassinatos cometidos pelos agentes do Estado, tanto os da ativa quanto os ex-policiais, os paramilitares com quem eles têm conchavo.”

O desabafo é de Débora Silva, mãe do gari Edson Rogério Silva dos Santos, uma das vítimas do massacre que ficou conhecido como Crimes de Maio –no balanço final (mas até hoje não definitivo), foram executados 505 civis e morreram 59 agentes do Estado, em 2006. Débora é uma das criadoras do movimento Mães de Maio, que denuncia a falta de investigação e a responsabilidade do Estado no maior massacre da história recente do país.

Em entrevista ao TUTAMÉIA, ela afirma: “A gente põe a culpabilidade tanto no governo estadual, como nos municipais e no governo federal, na época. O federal porque silenciou até o dia de hoje. O silêncio foi tão sepulcral porque não entenderam que quem foi assassinado, nesse maior massacre da história contemporânea, foram brasileiros. Tinha de ter uma investigação, uma força tarefa organizada pelas autoridades do Estado de São Paulo para que esse massacre não fosse uma vergonha mundial”.

As principais investigações, no entanto, foram realizadas por organizações independentes de direitos humanos, tanto do Brasil quanto do exterior. No âmbito institucional, um primeiro documento apontando a necessidade de mais investigação foi o relatório preliminar do Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Os pesquisadores constataram que 82 dos assassinatos tinha características de execução.

“O Movimento Mães de Maio surge de uma indignação por causa da falta de respostas em todas as esferas”, diz Débora Silva (clique no vídeo para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Ela afirma: “Existe um projeto de extermínio em nosso país, e ele tem cor, ele tem classe, ele tem sexo. A gente também sabe que essa guerra às drogas é uma falácia, a continuação da necropolítica, do extermínio dessa população indesejável. É muito fácil no Brasil acabar com a miséria matando os miseráveis, os descartáveis, que não têm direito à Justiça, como o meu filho, que é um exemplo de um trabalhador empobrecido, um brasileiro que se sujeita a trabalhar mesmo tendo atestado médico e, depois de uma jornada de doze horas de trabalho, com honestidade, foi executado com cinco tiros porque não obedeceu ao toque de recolher dado pelo Estado”.

Massacres como o da Jacarezinho são mais um exemplo dessa política, na avaliação da líder do grupo Mães de Maio:

“Há semelhança em todas as chacinas. O modus operandi é o mesmo. Em 2009, houve outra chacina na Baixada, após a morte de um policial. Dezessete mortos, até uma grávida de sete meses também foi executada. Isso se repete em 2010. Houve a chacina em Osasco, depois o que aconteceu no Complexo do Alemão e agora a chacina no Jacarezinho. Aquilo não foi uma operação, aquilo foi uma execução determinada. Como foi em maio de 2006. Nós vimos nossa história sendo mostrada outra vez. É a história das Mães de Maio contada outra vez. Só mudou o endereço. O Brasil é produtor de Mães de Maio.”

As Mães de Maio seguem em busca de respostas. Nesta semana, o grupo, junto com a Defensoria Pública de São Paulo e a Conectas Direitos Humanos, apresentou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) uma petição denunciando o Brasil pelos 15 anos de desaparecimento forçado de vítimas dos Crimes de Maio.

Há pelo menos quatro desaparecidos: Paulo Alexandre Gomes, que tinha 23 anos quando desapareceu; Ronaldo Procópio Alves, de 30 anos, desapareceu após ser abordado por PMs em Parelheiros, no extremo sul da capital paulista; Diego Augusto Sant’Anna, então com 15 anos, e Everton dos Santos Pereira, 24, não foram mais encontrados depois de serem levados por policiais em Guarulhos, na Grande São Paulo.

“É uma história que precisa ser contada. Nós denunciamos em vários países, para ajudar a gritar, ajudar a trazer justiça para esses crimes. As Mães de Maio ocupam o maior espaço possível fora do Brasil para mostrar que o Brasil não é esse paraíso tropical, mas sim é um país que cheira a pólvora, que cheira a carne humana, um país que cheira a cadáveres”, diz Débora.

E promete: “Nós não vamos deixar o Estado esquecer o que eles fizeram para nós e o que eles continuam fazer contra nós. Cada menino que tomba, tombam nossos filhos outra vez. Estamos unidas e queremos mandar um recado para este país, que as mães das favelas e das periferias vão parir um novo Brasil e uma nova sociedade. Jamais aceitaremos essa marcha fúnebre, que prossegue agora com a pandemia, que caiu como uma luva para nos atingir, atingir nossos entes queridos. Estamos juntas com os familiares e parentes das vítimas da covid; as mães são amor”.

SAIBA MAIS

CLIQUE AQUI para ler o estudo “São Paulo sob Achaque: Corrupção, Crime Organizado e Violência Institucional em maio de 2006”, elaborado pela Clínica de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard e pela Justiça Global, com apoio do grupo Mães de Maio.

CLIQUE AQUI para ler o relatório final do projeto  “Violência de Estado no Brasil – Uma Análise dos Crimes de Maio”, organizado pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pelo movimento Mães de Maio.

CLIQUE AQUI para ler a tese de mestrado “Barbárie e Direitos Humanos: As Execuções Sumárias e Desaparecimentos Forçados em Maio de 2006 em São Paulo”, da assistente social Francilene Gomes Santosela, irmã de Paulo Alexandre Gomes, um dos desaparecidos nos Crimes de Maio.