A demissão do comandante do Exército brasileiro, general Júlio Arruda, que ocupava o cargo desde o final do governo Bolsonaro, e a imediata nomeação do general Tomás Ribeiro Paiva, do Comando Militar do Sudeste, fizeram com que Lula conseguisse debelar um processo de insubordinação que grassava no Exército e que teve seu ponto mais grave e notório nos eventos de 8 de Janeiro.

Essa é a avaliação do historiador Francisco Teixeira, professor emérito do programa de pós-graduação em ciências militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, entrevistado por TUTAMÉIA no início da noite deste sábado, 21 de janeiro, poucas horas depois de o presidente da República ter anunciado as mudanças no comando do Exército.

Teixeira diz que a demissão de Arruda é consequência do envolvimento de militares na tentativa de golpe de 8 de Janeiro e da insubordinação do oficial. Houve indisciplina de Arruda ao se recusar a demitir o tenente coronel Mauro Cid do 1º Batalhão de Ações e Comandos, o 1º BAC, uma das unidades do Comando de Operações Especiais, com sede em Goiânia. Cid foi um dos líderes do gabinete do ódio e é alvo de investigações por envolvimento em casos de corrupção com o clã Bolsonaro.

O professor, que conhece pessoalmente os dois envolvidos –Cid foi seu aluno–, lembrou ainda que, no apagar das luzes do exercício de seu cargo, Arruda ainda tentou mais um ataque a Lula, convocando uma reunião virtual do Alto Comando em que falou sobre a sua possível imediata substituição. Na avaliação de Teixeira, o movimento objetiva conseguir apoio dos pares às suas decisões anteriores, que desafiavam a disciplina e autoridade do presidente da República –sem falar da pessoa do ministro da Justiça, que chegou a ter sua integridade física ameaçada pelo militar.

Fracassou nisso, pois o Alto Comando, em sua maioria, segundo o entrevistado de TUTAMÉIA, se manteve no apoio à letra da lei e da disciplina militar.

Além dessas manobras, Arruda deixou de cumprir ordem expressa de seus superiores legais, mantendo o tenente coronel Mauro Cid, que havia sido nomeado quase na surdina, no apagar das luzes do governo Bolsonaro,  para o comando do estratégico 1º BAC.

Teixeira diz: “Entregar a este elemento, que chefiou o Gabinete de Ódio de Bolsonaro,  o Batalhão de Comandos situado na proximidade de Brasília ( em Goiânia) é um desafio à ordem constitucional. Além disso, o TC Cid é alvo de vários inquéritos por ações antidemocráticas, não poderia assumir tamanho comando”. Também está envolvido em investigações sobre corrupção sistêmica no clã Bolsonaro, ele que funcionava como assessor especial do ex-presidente e, segundo apurações em processos judiciais, era o responsável pelas operações com cartões corporativos da Presidência.

Ao longo do período da crise, que se desenrolou desde a noite de sexta-feira, passou pela reunião virtual do Alto Comando por volta do meio-dia e teve seu final (pelo menos momentâneo) com a nomeação do general Tomás, os comandos da Marinha e da Aeronáutica se mantiveram em silêncio, pelo menos em público. O que seria mesmo esperado, avalia o entrevistado de TUTAMÉIA, pois costumam aguardar o esclarecimento da situação no Exército para então se manifestarem –ou não.

O balanço imediato da crise, ainda que provisório, aponta para uma contenção do processo de insubordinação e para o controle das cabeças bolsonaristas mais importantes: “A linha dura está sem um grande representante”, diz o estudioso de questões militares. Na prática, isso significa que, pelo menos por enquanto, as forças legalistas, defensoras da disciplina militar e do respeito à ordem constitucional, estão vencendo: “Neste momento, o Alto Comando, em sua maioria, está com a legalidade”, diz Teixeira.

Os desafios imediatos, para ampliar essa posição, estão na substituição dos comandos das forças militares diretamente lotadas no Planalto –comandos sobre os quais Lula já manifestou sua desconfiança. Também é esperada ação rápida em relação à demissão de Cid.

Do ponto de vista mais geral, da atuação do governo Lula, saiu derrotada no episódio a política gradualista do ministro da Defesa, José Múcio, que continua no cargo apesar de ter tido a sua linha de atuação atropelada pelas decisões rápidas e efetivas do presidente da República, que sai fortalecido de mais esse episódio que visava contestar sua autoridade e provocar uma  onda da instabilidade no governo eleito pelo povo brasileiro.

Apesar disso, Teixeira considera prudente que o governo reavalie a programação de Lula na semana que se inicia, que prevê sua primeira viagem ao exterior: vai à Argentina participar de  encontro dos dirigentes dos países da América –menos Canadá e Estados Unidos.