A ditadura militar prendeu, torturou, matou milhares de pessoas. A esses crimes, mais conhecidos e por muitos já denunciados, soma-se agora outra revelação: a ditadura militar sequestrou crianças e adolescentes, filhos de combatentes pela democracia, que foram adotados ou usados como trabalhadores sem remuneração.

É o que nos conta o livro “Cativeiro Sem Fim”, do jornalista Eduardo Reina, que há cerca de vinte anos pesquisa o tema. Ele descobriu nada menos do que 19 casos de bebês, crianças e adolescentes sequestrados por agentes da ditadura militar.

E o número pode ser muito maior. Em entrevista ao TUTAMÉIA (confira a íntegra no vídeo acima), Reina contou que apenas nas últimas duas semanas, desde que começou a divulgação de seu trabalho, foi procurado por mais de uma dezena de pessoas que se diziam filhos ou parentes de ex-guerrilheiros ou de perseguidos pela ditadura militar.

Para o jornalista, esse é um tema tabu, que a ditadura procurou esconder, deixar invisível. “A gente precisa quebrar essa bolha. A gente precisa quebrar esse cinturão de resistência e a gente precisa falar, as pessoas precisam falar, porque, daqui a pouco, os principais personagens envolvidos nesses sequestros vão estar mortos.”

Além, disso, aponta: “Não tem ninguém punido por esses crimes”.

Por isso mesmo, reforça a necessidade de lançar luz, de falar, de debater: “É um assunto tabu de história da ditadura. A gente precisa desencavar essas histórias, dar voz aos excluídos, dar voz aos que foram invisibilizados, dar voz aos que foram escondidos, como esses bebes, essas crianças, esses adolescentes sequestrados pela ditadura aqui no Brasil”.

Dos 19 casos descoberto por Reina, onze são diretamente ligados à guerrilha do Araguaia –entre eles, os filhos do mítico guerrilheiro Osvaldão. Outros oito ocorreram no Rio de Janeiro, em Pernambuco, no Paraná e no Mato Grosso. Com a ajuda de militares, funcionários públicos, funcionários de instituições e de cartórios, as vítimas foram entregues a famílias de militares e a pessoas ligadas aos órgãos de repressão. Algumas ainda procuram seus pais biológicos, e outras continuam desaparecidas, mas seus familiares contam suas histórias.

Ao TUTAMÉIA, Reina contou que percebeu que, na região do Araguaia, que visitou durante suas pesquisas para o livro, ainda existe muito medo e perseguição política.

“Naquela região, até hoje o Exército exerce pressão muito grande sobre os moradores. As pessoas têm medo de morrer.”

Não sem razão, pois continuam ocorrendo mortes: “Raimundo Cacaúba, que era um mateiro que atuou ao lado do Exército no Araguaia, resolveu abrir a boca. Há três ou quatro anos, começou a contar algumas coisas, onde estariam enterrados os corpos de alguns guerrilheiros. O que aconteceu com ele? Morreu de morte matada.”

Reina também cita o caso de um militar, José Vargas Gimenez, o Chico Dólar, tenente do Exército que comandou um dos grupos de combate aos guerrilheiros: “Ele escreveu dois livros contando as histórias, escabrosas, sanguinárias, cruentas demais, eu tentei entrevista-lo várias vezes. Em setembro do ano retrasado, ele morreu em sua casa em Campo Grande. A polícia trabalha com a tese de suicídio. Dois tiros no peito”.

Esse manto de silêncio começa a ser rompido com “Cativeiro Sem Fim”, de Eduardo Reina, que assim fala sobre as vítimas: “Aquelas pessoas não eram baderneiras. As pessoas estavam lutando por democracia, pelo Brasil. Eu não estou fazendo essa denúncia porque eu sou contra as Forças Armadas. Eu quero paz. Mas é necessário denunciar. É necessário mostrar que boa parte das Forças Armadas, pelo menos naquela época, estava envolvido com o extermínio de pessoas”.