Por AQUILES RIQUE REIS, vocalista do MPB4
Outubro de 2022
Olá, Joyce, tudo bem com você? Seguinte, amiga, eu estava aqui ouvindo Brasileiras Canções, o seu novo disco só com músicas novas que a Biscoito Fino recém-lançou (gosto do nome desse selo da Kati e da Olivia). Só que, enquanto eu ouvia, bateu uma certa melancolia. Mas acho que é porque eu ando muito preocupado com o momento pelo qual o Brasil está passando, sei lá! Você acredita que meu pensamento até voou pros anos 1970? Eu me lembrei de umas passeatas em que estivemos juntos, correndo da polícia da ditadura pelas ruas do centro do Rio, lembra? Gritávamos palavras de ordem, a meganhada vinha com cassetete e gás lacrimogênio. A gente se dispersava, mas logo se reencontrava num outro ponto já previamente combinado. E a passeata continuava, num corre-corre esperançoso pela volta da democracia. Caramba, Joyce, temos de reaver essa democracia como ela deve ser, plural, sem preconceito de nenhuma espécie, sem medo do ódio que se espalha num ritual macabro de ameaças à Constituição. Perdoe essas palavras que resumem a minha preocupação com o futuro. Mas olha, eu tenho esperança! E se ela voltou ao meu coração, deve-se em parte, juro por Deus, às suas músicas novas e ao seu violão, impecáveis como sempre, à sua voz jovial, de mulher empoderada, afinada e forte, como o grito que eu ouvia lançado ao ar nas manifestações pela liberdade de expressão e anistia. Quem duvidar do que eu digo é porque ainda não ouviu sua “Tantas Vidas”: “(…) Eu sou tantas, tantas vidas/ Tantas voltas, tantas idas/ Eu sou o que bem quiser/ Eu sou tantas, mas não esqueço/ Que ser eu e meu avesso/ É o que me torna mulher (…)”. Vixe, cá estou eu levantando de novo o véu que me turva a mente, em meio a outra página infeliz da nossa história. Mas olha só, Joyce, suas músicas estão mais fluentes em samba jazz e que tais do que nunca. Elas soam plenas de soluções harmônicas e melódicas que sempre me encantaram, e agora ainda mais. Ouvindo o seu CD, revelo algumas músicas que sugiro que o mundo inteiro ouça e se delicie como eu me deliciei. “Todo Mundo”, por exemplo: quando, com vocalises e palavras, você expõe suas opiniões. Ou na parceria com Marcos Vale, em que você brilha numa bossa reminiscente dos anos 1960. Ou em seu “Não Deu Certo (Mas foi Divertido)”: lá sua voz é um instrumento somado ao tema instrumental. Em “A Morte é Uma Invenção”, choro em parceria com Moacyr Luz, a luz acende e o horizonte se abre. E “Alimento”? O que dizer dessa canção que você canta acompanhada só pelo piano de Cristóvão Bastos? Meu Deus! Bem, Joyce, antes de me despedir, peço-lhe que abrace os músicos que tocam com você no Brasileiras Canções: Tutty Moreno, Jorge Helder, Hélio Alves, Lula Galvão, Teco Cardoso, Marcos Nimricheter e Alfredo Del Penho, além da Mônica Salmaso e do próprio Cristóvão. Por favor, diga a eles que, ao abraçá-los, eu estarei abrangendo e reverenciando toda a categoria de músicos instrumentistas brasileiros. A você, um cheiro!
Aquiles
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