“A campanha eleitoral do Lula está reativando a grande burguesia interna. Essa fração burguesa vinha apresentando ressalvas à política econômica, à política externa do governo Bolsonaro. Fez críticas quando Paulo Guedes começou a suspender medidas protecionistas. Os seus interesses não tinham desaparecido, mas o golpe tinha desorganizado essa fração, e ela estava ganhando muito com a reforma trabalhista do Temer e previdenciária do Bolsonaro. O Lula inicia uma campanha. Como diz o funk da Anita, começa a chacoalhar o bozo para cima e para baixo. Essa fração burguesa, ela começa a ir junto com o Lula. Ela vai tratar de disputar espaço com sindicatos, com o MST. Está sendo reativada a frente política neodesenvolvimentista. A grande burguesia associada e o capital estrangeiro perderão espaço”.

A avaliação é do cientista político Armando Boito Jr. ao TUTAMÉIA. Professor da Unicamp e editor da revista “Crítica Marxista”, ele examina as recentes mobilizações de banqueiros, empresários, sindicalistas e lideranças intelectuais em defesa da democracia (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Para ele, é impróprio caracterizar a proposta do Lula como de conciliação de classes. “Não digo que essa formulação não tenha uma parte de verdade, mas ela oculta muita coisa importante. Porque o que o Lula propõe é uma conciliação, sim, entre a grande burguesia interna, amplos setores da classe média, da classe operária, do campesinato etc. Mas para lutar contra outra parte da burguesia. Não é uma coisa de conciliação, é de conflito”.

Ele segue:

“Se fosse mera conciliação, como entender a instabilidade e as crises que essa política provocou nos anos recentes na história política no Brasil? Há duas frações burguesas disputando a hegemonia no bloco do poder, disputando para que seus interesses tenham o lugar prioritário, não o único, nas medidas de política econômica, social e externa do governo brasileiro. Elas estão lutando entre si, e o Lula procura organizar uma ampla e heterogênea frente de um dos lados dessa luta. Então é conciliação e conflito. Aliança e conflito. Na verdade, é uma aliança para o conflito”.

Autor de “Reforma e Crise Política no Brasil, os Conflitos de Classe nos Governos do PT” (Unicamp/Unesp, 2018), Boito enxerga um movimento pendular na burguesia interna.

“A burguesia interna, que tem conflitos com o capital estrangeiro, embora não seja anti-imperialista, não seja uma burguesia nacional, vem descrevendo um movimento político pendular nos últimos 28 anos, de 1994 para cá. Durante os governos FHC, a burguesia interna se aproximou a política neoliberal do FHC. Porque essa política neoliberal oferece muita coisa para a burguesia interna, a começar pelo corte de direitos sociais e trabalhistas. Antes da eleição do Lula, em 2002, ela começou a acumular conflitos com a política econômica e externa do governo FHC e se aproximou do PT. A proposta da Alca, por exemplo, não era bem vista na Fiesp”.

FRENTE E CONFLITO, DOS BANCOS AO MST

Nos governos do PT, observa, se desenvolveu uma grande frente política. “Não foi só a burguesia interna que ganhou. Era uma grande frente política neodesenvolvimentista, que pegava dos grandes bancos, passava pelos sindicatos e ia até o MST. Mas o conflito continuava existindo”.

Veio a crise de 2008, mas a burguesia interna seguiu apoiando a política do PT até 2016.

“Era reserva de mercado para os bancos nacionais, melhoria enorme do financiamento subsidiado, conquista de mercado internacional para o agronegócio, melhoria para a indústria, o BNDES subsidiando as grandes empresas, as compras da Petrobras e do governo, conteúdo local. O setor financeiro, o industrial, o agronegócio ganharam com a passagem do governo liberal do PSDB para os governos neodesenvolvimentistas do PT. Ganharam bastante”.

Boito lembra que, apesar dos conflitos que permeavam a frente, no momento decisivo da eleição todos convergiam para as candidaturas do PT. “O agronegócio apoiou a candidatura Dilma em 2010. Você tinha o agronegócio e o MST apoiando a candidatura Dilma. E agora isso está se repetindo. Você tem banqueiros, industriais, sindicatos. Agora começou a chegar o agronegócio; tem MST, MTST. Estão convergindo para a candidatura Lula”.

Para o cientista político, o movimento pendular da burguesia interna mostra duas coisas:

“Primeiro, que ela não apoia com firmeza, nem em sua integralidade, nem o neoliberalismo, nem o neodesenvolvimentismo. Segundo, que, com esse movimento pendular, ela pega de acordo com a conjuntura o que mais lhe interessa, de um ou de outro programa”.

“Muita gente pensa que, como a burguesia mantém os meios de produção, os meios de comunicação, como ela é a classe dominante, ela tudo pode. Não é assim. A grande burguesia interna nunca organizou seu próprio partido político. Ela depende de assediar ou atrair um partido político que foi organizado pelo movimento operário sindical e popular”, ressalta.

Na visão de Boito, desde 2018, o neoliberalismo no Brasil só se mantém porque foi socorrido pelo neofascismo. “O neoliberalismo não tem mais aquela força juvenil da década de 90, da época do FHC. Ele está com o material cansado. Isso não é só no Brasil; é nos EUA, na Europa. Esse cansaço do modelo capitalista neoliberal, na ausência de uma alternativa operária e popular, tem feito com que surjam candidatos de extrema direita aventureiros”.