“Tudo indica que o Lula vai ganhar, mas sou partidária de que as forças ditas de esquerda retirem seus candidatos no primeiro turno. Um consenso nacional das forças mais progressistas e de esquerda no sentido de eleger o Lula no primeiro turno. Eu, por sinal, não sou lulista, faço restrições muito sérias ao PT e aos governos do PT. Mas acho que, nesse momento, a única maneira de derrotar o Bolsonaro e essa desgraça que o Brasil está vivendo é justamente eleger o Lula. É a única possibilidade que existe. E se fosse no primeiro turno seria mais difícil para o Bolsonaro caminhar para um golpe”.
A avaliação é de Anita Prestes ao TUTAMÉIA. Historiadora, professora aposentada da UFRJ, filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário Prestes, ela é autora de mais de uma dezena de livros, sendo o mais recente “Viver é Tomar Partido” (Boitempo, 2019), sobre sua trajetória.
Nesta entrevista, ela analisa o movimento tenentista, que completa 100 anos neste julho de 2022, e aborda a conjuntura nacional (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Para Anita, um golpe militar é hoje pouco provável.
“O Bolsonaro vai tentar, tem tentado. Ele quer ser um ditador fascista. Acho difícil. Uma das maiores dificuldades talvez seja a posição do governo americano, do grande capital, que não está interessado em ter uma ditadura aqui no Brasil de novo. Prefere ter, assim, uma democracia capenga, mas, pelo menos, uma aparente democracia a uma ditadura aberta”.
QUEM MANDA É O GRANDE CAPITAL
Ela segue:
“Quem manda nesse país hoje em dia, convenhamos, é o grande capital internacionalizado, principalmente de origem norte-americana. É difícil [haver um golpe militar], mas não é impossível. Pode ter até, num curto período, ser vitorioso. Mas, depois, ser derrotado de novo. Não sei, mil hipóteses”.
Enfatizando a importância de uma vitória de Lula já no primeiro turno, ela afirma:
“Tem todo o período de quatro semanas entre o primeiro e o segundo turno. Período esse em que os deputados e senadores já estão com os seus cargos garantidos, já foram eleitos. E, então, estão mais livres para participar de uma possível aventura bolsonarista, talvez. Por tudo isso, eu acho que as forças progressistas estão com uma quantidade enorme de candidatos. O mais importante aí seria o Ciro, que é o que tem a maior votação, retirar a sua candidatura e somar forças para eleger o Lula logo no primeiro turno. Seria uma derrota importante do bolsonarismo”.
Uma vitória de Lula, no entanto, não será o fim de uma luta, na sua visão. Diz Anita:
“Não tenhamos ilusões. Mesmo derrotado Bolsonaro, o bolsonarismo vai continuar aí. Foi criado. Isso é uma tendência mundial de ascenso do fascismo, das tendências autoritárias e fascistas. O Brasil não está fora disso. Então, a luta é grande. Sem organização popular, não vai se conseguir avançar. O grande risco que existe é desses governos progressistas –como tivemos os do PT aqui, o dos Kirchner, na Argentina, mesmo no Chile com a madame Bachelet –é que na medida em que não contribuem para uma organização popular efetiva, acabam sendo depostos. E aí vem um governo cada vez mais à direita, inclusive de corte fascista”.
PROGRESSISMO INSTÁVEL
Para a historiadora, esse perigo existe agora no Chile, vai existir na Colômbia e está existindo no Peru.
“Agora estamos numa fase de governos progressistas. Mas são de um progressismo muito instável. E o grande capital, que é quem manda nesses países, é o poder econômico, para defender seus interesses, levando em conta a gravidade da crise econômica que abala o mundo capitalista, não está a fim de fazer concessões. Quando eles veem seus interesses de alguma maneira tolhidos, eles não têm cerimônia: depõem o governo. Hoje em dia não é golpe com tropa na rua; tem outras formas mais sofisticadas de dar um golpe. Quem tem tendência de esquerda deve estar preocupado em encontrar os caminhos para ajudar na organização popular. Não tem mistério, é por aí”.
TENENTISMO FOI REPÚDIO À OLIGARQUIA
Ao TUTAMÉIA, Anita tratou dos meandros do movimento tenentista, suas contradições e seu legado.
“Era o início de todo um movimento de repúdio àquele poder oligárquico existente na República Velha. A chamada política de café com leite, na qual não havia chance de um candidato que não fosse ou da cafeicultura paulista ou da cafeicultura mineira. Esse leite não tem muito sentido, porque Minas também era café”.
“Isso para ser desmontado não era fácil. Mas cria-se um clima de necessidade de acabar com aquela República Velha. O tenentismo vai ser expressão disso. O tenentismo foi fruto da crise da República Velha. A crise não era só econômica; era social, política, cultural. A Semana de Arte Moderna reflete essa crise cultural. A fundação do Partido Comunista reflete a crise social que existe no Brasil”.
Deixar um comentário