Ao decretar o indulto ao deputado Daniel Silveira, Bolsonaro pratica um atentado à democracia constitucional, à República e à Constituição. É uma medida política tirânica, com traços que remetem ao nazismo. Mas é preciso ter calma na reação, agir de forma institucional correta.
“É fundamental isso, porque o que ele quer é espalhar o caos. A gente não pode ser elemento auxiliar, mesmo que involuntariamente, dessa tarefa que ele se pôs de espalhar o caos na sociedade brasileira, em especial o caos institucional. Temos que apoiar as nossas instituições democráticas, o STF. Não há outro caminho para nós que defendemos a democracia”.
É a análise e o alerta que faz o jurista Pedro Serrano ao TUTAMÉIA ao comentar a decisão de Bolsonaro de conceder indulto ao deputado Daniel Silveira. A medida foi anunciada nesse 21 de abril, dia seguinte à condenação do parlamentar pelo Supremo Tribunal Federal por ataques aos ministros da corte.
Professor de direito constitucional, fundamentos de direito público e teoria geral do direito na PUC de São Paulo, nesta entrevista ele avalia aspectos jurídicos e políticos do ato de Bolsonaro e aponta desdobramentos do caso (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
“O problema é que Bolsonaro fundamenta essa sua decisão de produzir um ato político [o indulto a Daniel Silveira] numa interpretação da Constituição que contraria imediatamente a interpretação assumida pelo Supremo nesse mesmo caso concreto. Ao fazer isso, Bolsonaro usa desse ato político para se colocar como ele sendo o guardião da Constituição, ou seja, o intérprete final da Constituição. Ele acha que o sujeito estava no livre exercício do direito à livre expressão. Na opinião dele. Ele sobrepõe a sua decisão à decisão do Supremo. Isso não pode haver. Não pode porque o nosso sistema é um regime democrático, republicano. Existe uma divisão de funções. Cabe ao Supremo o papel de ser o guardião da Constituição, de ser o intérprete final da Constituição. Não ao Bolsonaro. Isso é grave. Na teoria constitucional, o grande autor que sempre defendeu que o chefe do executivo deveria ser o guardião da Constituição é Carl Schmitt [1888-1985]. Foi quem pensou o Estado e o constitucionalismo nazista. Ou seja: é um traço nazista que Bolsonaro assume quando ele se reivindica ou se põe no papel de intérprete final da Constituição. Há aí, como o direito chama, um evidente abuso de poder ou desvio de poder por parte do executivo, carreando uma inconstitucionalidade para o ato. Esse ato é um atentado à democracia constitucional, à República, e à Constituição”.
Autor de “Autoritarismos e Golpes na América Latina” e “A Justiça na Sociedade do Espetáculo”, Serrano afirma:
“A questão do deputado se tornou secundária. O que é relevante é que Bolsonaro pretende se colocar como o intérprete final da Constituição. Isso significa ele se colocar num papel de ditador ou de imperador, porque centraliza funções fundamentais de Estado na mão de um homem só. Centraliza, no caso, a função executiva e judiciária na mão dele. Ele não pode usar um ato de indulto para esse fim”.
Ele segue:
“O ato político no nosso sistema é o ato mais discricionário que tem. Mas essa liberdade não é absoluta. Existem limites. Ele está utilizando de um ato político para, no fundo, se colocar acima da vontade do Supremo. Falo isso não pelo conteúdo da matéria do ato. Mas pela fundamentação que ele dá. Ele fundamenta numa interpretação própria do que deve ser o direito à livre expressão no Brasil. E se sobrepõe ao Supremo nesse papel de intérprete constitucional. Isso é inaceitável”.
“Não é inaceitável um ato político que liberte o deputado. Esse é um outro debate. O que é inaceitável é ele se colocar numa posição, vamos dizer, acima do Supremo no tocante à interpretação constitucional. Isso é muito grave. Isso é arrebentar a democracia brasileira, destruir a nossa Constituição”.
Na visão de Serrano, o ato deve ser analisado num contexto maior:
“Estamos num momento do mundo de autoritarismo líquido. O que temos são medidas de exceção no interior da democracia. Essa foi uma hoje. É uma medida que tem uma aparência de ser jurídica. Mas no seu conteúdo é uma medida política tirânica, no caso de enfrentamento a um inimigo, que é o STF. Ele trata o Supremo como um inimigo. É uma agressão grave à Constituição”.
E por que agora? Serrano responde:
“É uma excelente oportunidade para ele, para o processo eleitoral, de se afirmar com a sua própria base. Ele se põe como sendo o herói de sua própria base, está enfrentando o STF. A grande bandeira é a liberdade de expressão; parece que é um fim nobre”.
Nesse embate, na visão do jurista, Bolsonaro consegue ser, ao mesmo tempo, poder e antipoder. “Ele é, ao mesmo tempo, situação e oposição; sistema e antissistema. Isso não é novo. Isso é próprio de qualquer populismo de extrema direita. Foi assim no fascismo de Mussolini, no nazismo de Hitler, nas ditaduras na Espanha e em Portugal”.
“Temos que apoiar as nossas instituições democráticas, o STF. Não é um problema de achar que é correta ou não a prisão do Daniel Silveira. Esse é um outro debate. O que ocorre é que hoje Bolsonaro procura invadir a competência do STF, produzir um ato profundamente autoritário, contrário à democracia. Mas nós precisamos ter calma na reação, agir de forma institucional correta. E precisamos tentar nos mobilizar para essa eleição, para poder vencer esse sujeito e tirá-lo do poder”.
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