“Foi uma resistência heroica. Faço questão de homenagear os verdadeiros heróis, que são os que não estão vivos. Deram a vida. Quando o ser humano dá a vida por aquilo que ele acredita é o maior exemplo de doação. Em segundo lugar, fez parte da resistência à ditadura militar. A ditadura militar praticou muitos crimes: derrubou um governo, censurou, exilou, matou, torturou, desapareceu, fechou sindicato, cassou. Mas houve resistência. A principal lição é que as pessoas não baixaram a cabeça. Foi um custo muito alto, foi um ato de heroísmo e teve uma legitimidade. Porque quando você enfrenta um estado terrorista, a desobediência civil é legítima. Houve uma legitimidade para aquelas ações, tanto na guerrilha urbana como a rural, no caso do Araguaia”.
É a avaliação que José Genoíno faz sobre a guerrilha do Araguaia, da qual participou. Ele fala ao TUTAMÉIA em 12 de abril de 2022, quando se completam 50 anos da descoberta do movimento na Amazônia organizado pelo PCdoB. Nesse dia, houve o primeiro enfrentamento entre as Forças Armadas e os guerrilheiros, que resistiriam por mais dois anos na região, até o final de 1974.
Nesta entrevista, ele lembra de sua trajetória, de camponês a líder estudantil, fala dos motivos da sua adesão à luta armada de resistência à ditadura, narra o cotidiano na selva, expõe a barbárie provocada pelas Forças Armadas na região e faz um balanço do movimento (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
ASSOMBRAÇÃO, VIOLÊNCIA E BARBÁRIE
Ex-deputado federal e ex-presidente do PT, aos 75 anos Genoíno afirma: “Depois de Canudos e da Coluna Prestes, foi a experiência de guerrilha armada mais duradoura, mais demorada numa determinada região do país”.
“Foi um movimento generoso, com muito desprendimento, mas com poucas possibilidades de vitória pelas condições da conjuntura e pela estruturação do Estado Brasileiro naquela região da Amazônia. Foi criada toda uma estrutura militarizada, especificamente no sul do Pará, norte de Goiás, que hoje é o Tocantins, e no sul do Maranhão”.
“Implantaram um Estado paralelo no sul do Pará. Montaram quartéis, estradas, aeroportos, destruíram a selva. Foi um processo de ocupação violenta que aconteceu durante esses dois anos. E a guerrilha perdeu a sua condição, que é mobilidade, surpresa e movimento”.
“A violência foi brutal. Era uma situação bárbara. Eu imagino, lendo depois “Os Cem Anos de Solidão”, aquela experiência que eu vivi no Araguaia. Era Napalm, era helicóptero, que chamavam besouro voador. Eram aquelas máquinas abrindo estrada, que eram chamadas de bicho, aquela boca enorme destruindo a selva. Aquilo tudo era uma mistura de assombração com violência, com barbárie. Aquilo assustava a população. Uma parte da população foi violentada, foi obrigada, foi presa; alguns entraram na guerrilha”.
“Aqueles lavradores, aqueles jovens, aquele pessoal com quem a gente se dava tão bem…De uma hora para outra, éramos pintados como terroristas. Corpos dependurados, a tortura era pública, as prisões eram em buraco. Prendiam todo mundo. Era um mundo muito complicado para que a guerrilha conseguisse, na fase em que ela foi descoberta, convencer a população”.
LIÇÕES E PRESENTE
Enquanto o Brasil comemorava a conquista da Copa de 1970, Genoíno embarcava para uma longa travessia pelo Brasil, juntando-se aos militantes que estavam no Araguaia desde o final dos anos 1960. Ao TUTAMÉIA, ele fala sobre a escolha do local pelo PCdoB:
“A guerrilha previu corretamente. Ela dizia: vai ser uma região de grandes conflitos. Foi o que aconteceu, pelo minério, pela madeira e pelas terras. Eldorado dos Carajás, Transamazônica, Serra Pelada. A gente sabia que seria uma região potencialmente conflituosa. Só que a guerrilha foi destruída antes. Num processo em que não existiam esses movimentos sociais organizados”.
Sua avaliação do movimento:
“Nossa experiência lá foi legítima, válida. Seria possível ter uma vitória? Nas condições da conjuntura política e da formação histórica do Brasil, dificilmente a gente seria vitorioso. A gente teria que ter adotado outra tática”.
“Não foi a luta armada que provocou a ditadura. Muita gente dizia isso, inclusive da esquerda, que não participavam da luta armada e que foram extintas. A ditadura queria eliminar a esquerda, e a esquerda teria que ter discutido qual era o caminho mais adequado. O Araguaia se inscreve nessa história de luta popular heroica.
“A gente tem que avaliar, não é simplesmente adorar, repetir; é tirar as lições. Tirar lições da importância da luta pela radicalidade democrática, da luta pelas liberdades, por direitos, da luta por transformações. Porque o Brasil tem uma tradição. Sempre a burguesia tratou a esquerda de duas maneiras: ou mata ou domestica. Estamos vivendo a encruzilhada: nem ser domesticado nem ser isolado. Isso esteve presente na resistência armada dos anos 1970, teve presente na transição, quando nós governamos e está presente agora. Vamos fazer transformações estruturais, ou vamos fazer a transição por cima. Como diz [Giuseppe Tomasi di] Lampedusa, mudar alguma coisa para que nada mude e manter as bases do modelo econômico, mesmo derrotando o inominável? Temos que derrotar o inominável, suas políticas e a base econômica que o produziu”.
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