“A Rede Globo pode migrar para uma composição com Lula. Não diria apoio, mas uma composição. Se alinhar novamente com Bolsonaro, acho que não. Não aposto.” É a avaliação da jornalista e doutora em linguística Eliara Santana, coautora do livro “Jornal Nacional – Um Projeto de Poder”.
Escrito em parceria com os pesquisadores Ângela Carrato e Juarez Guimarães, o livro tem como subtítulo “A narrativa que legitimou a desconstrução da democracia brasileira”. Mostra a participação da Globo no processo que levou ao golpe contra a presidenta Dilma, a parceria com a Lava Jato para destruir a candidatura do ex-presidente Lula em 2018 e o embarque na campanha bolsonarista –coisa que atualmente está em processo de revisão, no entender da jornalista.
Falando ao TUTAMÉIA, ela diz, em relação ao processo eleitoral deste ano: “A Rede Globo pode compor com Lula. Duvido muito de um apoio, novamente, a Bolsonaro. Acho muito difícil.”
E segue: “Quando eu falo em alinhamento –tudo bem, simpatia é quase amor–, não estou falando em pedido de casamento. Estamos falando de um player, de um jogador poderosíssimo. É claro, não há matérias, reportagens, falando em crise econômica, as reportagens sobre desigualdade, muito bem feitas, elas douram um pouco a pílula. Mas ela é um player do outro lado, é um jogador alinhado a um outro projeto político e econômico. Se está agora recolhendo suas armas e pensando em levantar a bandeira branca, é em função da situação [que vive o país]”.
Trata-se de uma rejeição à pessoa Bolsonaro, ainda que permaneça o apoio ao projeto político em curso, aponta a pesquisadora:
“A Globo continua alinhada a esse projeto de poder que colocou uma figura como Bolsonaro como presidente da República e, por isso, não critica o governo como um todo. Quando houve a denúncia das off shore (contas de Paulo Guedes no exterior), foi escandalosa a tendência da mídia de justificar o que não se justifica, de procurar brechas legais para justificar. Ele não pode! Ele é ministro da Economia, e o que ele faz vai impactar o que ele vai lucrar lá fora. Não pode! Se, do ponto de vista legal, havia uma brecha, do ponto de vista moral, ético, não se se consolida. Isso não foi explorado. As denúncias, as questões todas relativas à Lava Jato. A Rede Globo não traz, não questiona, é como se a Lava Jato nunca tivesse existido. De fato, existe o alinhamento com esse projeto de poder. Não diria com o governo todo porque o governo Bolsonaro é uma enorme confusão, mas ele é, enquanto instância, enquanto instituição, ele é de alguma forma blindado.”
Santana, que aponta no livro as várias formas com que o Jornal Nacional manipulou informações e chegou a praticar o que ela chama de “apagamento de Lula”, nota que há hoje uma redução da belicosidade. Lembra, por exemplo, a cobertura da entrevista coletiva concedida pelo ex-presidente depois da decisão do Supremo Tribunal Federal que acabou com os processos de Moro contra ele e o tornou novamente elegível:
“No dia em que Lula saiu, ele teve quase treze minutos no Jornal Nacional, teve quase doze minutos de fala, de discurso direto, com o fundo que era o fundo, gerado pela TVT, que era a imagem dele lá no sindicato. A edição foi muito favorável, a edição não pegou pontos negativos. Pelo contrário, pegou pontos muito positivos. Então ali, acho que ali já foi quase como que um aceno: ‘Olha, vamos ver como é que a gente se comporta, vamos ser cavalheiros, porque, afinal de contas, a aposta que nós fizemos foi horrorosa e está afundando o Brasil’”
Por trás dessa mudança, segundo Santana, está o reconhecimento do desastre sanitário e da crise econômica do país: “Existe também uma aposta de sobrevivência. São jogadores, são players que estão perdendo dinheiro, e é preciso o realinhamento de forças”, aponta a jornalista.
É possível até que Lula volte a ser ouvido pela Globo: “Eu não acho difícil que, antes da eleição, Lula possa dar uma entrevista à Globo. Não sei se no Jornal Nacional, mas a um outro veículo, talvez à Globo News. Está havendo um alinhamento nesse sentido, e acho que não vão se alinhar a Bolsonaro, a não ser que haja uma enorme reviravolta, com Bolsonaro sendo transfigurado, virando um outro personagem. Mas não vejo de fato esse alinhamento, como foi em 2018”.
E conclui, analisando a posição atual da Globo:
“Vejo sinais, já escuto sinais de o antibolsonarismo superando de fato o antipetistmo, até porque Lula está chamando o Alckmin de companheiro. Tem aí uma construção de um diálogo. Então acho que o jogador está baixando as armas e pensando no que de fato ele pode fazer, porque, com o bolsonarismo, acho que a Rede Globo percebeu que não é possível dialogar, não é possível jogar, não é possível enquadrar Bolsonaro. Eles perceberam isso da pior forma, jogando o país no buraco.”
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