“Estamos vivendo uma situação muito particular. De um lado, há uma legislação muito aberta, flexível, com muitos pontos falhos –que teve pressão do mercado imobiliário para sair da forma que saiu, em 2014 e 2016. Por outro lado, há uma bolha imobiliária. A soma desses dois processos está causando essa devastação imobiliária, essa voracidade em várias áreas da cidade, muito agressiva. Eu nunca vi. É um caso muito extremado. Milhares de apartamentos sendo lançados. Não sei para quem. Porque, com aqueles preços, provavelmente não é para atender a demanda do mercado. É uma demanda criada mais para realizar o capital financeiro na cidade”.

A avaliação é do engenheiro civil e planejador urbano Ivan Maglio ao TUTAMÉIA. Doutor em saúde ambiental pela USP e ex-diretor de planos urbanos na prefeitura paulistana (com Jorge Wilheim), ele acentua:

“Ao mesmo tempo que tem essa bolha, essa pressão, essa financeirização do mercado imobiliário, existe uma situação criada na legislação urbanística, que agora está agravada com a quase submissão do executivo municipal ao mercado imobiliário”.

Sobre a bolha imobiliária e suas conexões políticas, ele afirma:

“São grandes empreendimentos imobiliários. O fundo que é organizado tem capital estrangeiro; não tem só capital nacional. Você tem uma engenharia financeira na qual participam grupos chineses, grupos que estão na bolsa de Nova York, grandes incorporadoras, todas com ações na bolsa. E há muitos políticos que trabalham em função desses lobbies, dessas incorporadoras, e que acabam, às vezes, dominando. Estamos falando do executivo, mas o poder legislativo também não fica atrás”.

Maglio foi diretor e coordenador de planejamento ambiental da Cetesb e da secretaria estadual de meio ambiente. É consultor em planejamento urbano e ambiental e pesquisador do IEA USP no Programa Cidades Globais.

Nesta entrevista, ele descreve os impactos do avanço do mercado imobiliário –que derruba quadras inteiras para construção de prédios em diversas regiões da cidade–, da falta de moradia para os mais pobres, da especulação também nas periferias, dos interesses em jogo nessa transformação –e da resistência de moradores na luta por melhores condições de vida (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Na conversa, ele trata dos efeitos da pandemia em regiões de escritórios –que já começam a ser remodelados para servir de moradia–, da pressão sobre moradores de áreas do centro expandido, da força do mercado imobiliário para realizar mudanças nas legislações locais e das diferenças entre as transformações em São Paulo e em outras cidades no Brasil e no mundo.

Sobre a cidade de São Paulo, ele fala de regressão na administração e declara:

“Infelizmente, você fez um princípio positivo, que é adensar, verticalizar perto do transporte, mas de uma forma genérica. A cidade não se faz de forma genérica. E ela tem que ser feita para os moradores, não para alguma coisa etérea, que atende mais ao capital do que atende à própria qualidade. Você não mede qualidade de vida por metros quadrados construídos. Você mede por indicadores de saúde, educação, qualidade ambiental, áreas verdes. É o que tem que mensurar. E a quantidade metros quadrados adicionais que vai ser permitida. Essa equação é que está desequilibrada”.

Momento da caminhada do Movimento Pró-Pinheiros realizada no sábado, 11/12  — Fotos de @ro_brancatelli,  uma das coordenadoras do movimento

CAMINHADA CONTRA A SUPERVERTICALIZAÇÃO DE PINHEIROS

Texto de VERÔNICA BILYK, coordenadora do Movimento Pró-Pinheiros

A II Caminhada Pró-Pinheiros passou pela região compreendida entre Rebouças e Artur de Azevedo, Oscar Freire e Virgílio de Carvalho Pinto.

Foi feito um zigue-zague nesse quadrante, que se encontra terrivelmente afetado pela voracidade dos novos empreendimentos imobiliários. É difícil localizar e reconhecer o Pinheiros de antes da pandemia. Muitas casas típicas do bairro demolidas, muitos tapumes, caçambas, guindastes e redes de proteção. Stands de venda, betoneiras, barulho, inconveniências e trânsito acumulado por isso tudo.

No sábado 11/12, às 15h, membros do movimento que, indignados, se organizam para conter e se fazerem ser ouvidos pelo poder público saíram do cruzamento da Oscar Freire com Artur de Azevedo, onde se localiza o restaurante Las Chicas, que compõe conjunto com vila arborizada e prédio de quatro andares que já estão na iminência de desaparecer.

De lá o grupo desceu a Artur de Azevedo, onde no número 129 dissemos adeus a outro “predinho” que soubemos da compra e futura demolição; onde moradores entristecidos não conseguiram cobrir a oferta.

Descemos a Rebouças e entramos na Alves Guimarães, num quarteirão que atualmente abriga nove novas construções de edifícios altos. Simultaneamente nove obras. Para os moradores antigos que ainda resistem, um dia-a-dia estressante e injusto. Poeira, barulho. A vida dando uma reviravolta. Mesmo assim, nesse quarteirão, através de um trabalho quase que arqueológico, conseguimos localizar dois imóveis de caráter social, iniciativa que entendemos ser a que mais faz jus ao raciocínio original do Plano Diretor e a razão de adensamento em torno dos eixos de transporte. Outros prédios no mesmo quarteirão pretendem oferecer pequenos apartamentos neste viés, pelas dimensões diminutas dos imóveis, mas outros oferecem estúdios sabidamente oferecem vaga de garagem que pode ser comprada a parte e um boulevard com um café, com objetivo de cumprir a legislação imposta para oferecer enormes apartamentos de 340 m2 com valores para grupo muito específico classe AA, que não estão interessados nos eixos de transporte. [Nota da Redação: No dia da entrevista com Maglio, Rodolfo Lucena fez uma corrida matinal que também passou por parte dessa região. O relato está no vídeo abaixo]

Próxima parada: Escadaria das Bailarinas, local de passeio e descanso para moradores e turistas, tendo sido ilustrada pelo artista Kobra; agora tem toda uma lateral, que antes era limitada por casas assobradadas, no chão. Ainda estão lá os detritos, como se fosse um bombardeio. Fica à imaginação o que será permitido realizar ali. Proprietária vizinha ao local, emocionada, nem conseguiu se pronunciar ao grupo. Apenas nos contou: “meu avô comprou essa casa em 1930”.

Seguimos e fizemos um “salve” num dos cantos da Benedito Calixto. Foi uma tarde de céu claro e sol muito forte. Foram guerreiros os participantes.

Atravessamos a rua para testemunharmos os tapumes metálicos que fecham a esquina da Teodoro Sampaio com a João Moura. Uma área de espólio, contendo um idílico jardim e casa datada de 1940, havia sido solicitada pela população em 2012 para que se transformasse em Parque (Teodoro) – promessas públicas foram feitas à população, fotos tiradas… – no entanto, hoje às fundações de um novo e imenso empreendimento já estão a todo vapor.

Descemos a João Moura sempre observando algumas vilas e casas pelo caminho e lembrando que o Pró-Pinheiros está incubando propostas legislativas para que se proteja este formato urbanístico tão presente e tão cobiçado por aqueles que procuram uma forma de viver diversificada entre comércios locais, vilas e ruelas que faz o bairro tão atraente). Além de serem também ícones de uma época. Pinheiros afinal nasceu como um bairro de trabalhadores que se mesclava com determinadas faixas da classe média.

Mural na Escadaria das Bailarinas (Divulgação)

Houve uma parada num café com dois lindos pés de jabuticabeiras e quintal amplo, uma cena bastante desconexa com toda a destruição que estávamos testemunhando até ali. Um alento. A caminhada foi retomada para se percorrer a rua Francisco Leitão e saudar uma dupla incrível de arquitetos que de forma bastante ousada decidiu permanecer com seu showroom e moradia, numa casa assobradada que foi envelopada pelo planejamento de um novo empreendimento vertical. O caso deles é interessantíssimo e merece um olhar aparte. Eles de forma pacífica enfrentam a mudança que ocorre ao redor deles e buscaram um projeto de fachada e “integração” que contará esta história. A vida deles corre passo a passo com conversas com a construtora para que seja assegurada diariamente a segurança deles dentro do imóvel.

A essa altura já eram 18h – três horas de caminhada, num dia de extremo calor – finalizamos o encontro andante com um pocket-show do Zé Eduardo, pinheirense da gema, no local que está se transformando na nossa praça de confraternização: a Praça da Virgílio (de Carvalho Pinto) que também convive com a construção de um volumoso empreendimento residencial, num canto do seu largo e que como podem imaginar numa via estreita sem saída, tem causado todo tipo de comoção.