“Lula saiu lá de dentro [da prisão] com clareza cristalina, transparente, da tragédia que é o papel do imperialismo. E, sobretudo, do interesse do imperialismo, que é arrebentar a soberania de um país que tem 200 milhões de habitantes, que tem riquezas naturais que pouca gente tem, que tem o pré-sal. O Lula internalizou esse papel dos EUA”.
A avaliação é do jornalista Fernando Morais que acaba de lançar o primeiro volume “Lula”, fruto de dez anos de pesquisas e entrevistas. Ao TUTAMÉIA, o escritor conta os bastidores da produção da obra, narra histórias de seus outros trabalhos e faz uma avaliação do papel da mídia e dos desafios da esquerda para derrotar Bolsonaro no ano que vem (acompanhe no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
“Eu não tenho medo da mídia. Esse negócio da terceira via não vai longe. O Moro não aguenta um debate livre, ao vivo, sem edição, com um vereador de São Joaquim do Tumucumaque. Só um tsunami brutal pode impedir o Lula de ganhar essas eleições”, afirma.
Na análise de Morais, a prisão decretada em 2018 teve muito impacto na visão de mundo do ex-presidente:
“Eu fui farejando com esse nariz africano, aos poucos, a partir da prisão, por causa da prisão e pelas leituras que ele fez na prisão. O Lula leu na prisão o que muita gente nossa não leu na vida inteira. Estou tão certo disso como o sol vai nascer amanhã. O Lula que saiu da cadeia é infinitamente melhor do que o Lula que entrou na cadeia. Melhor porque ele saiu de lá comprometido, profundamente comprometido”.
Segundo Morais, Lula “manteve os compromissos que ele tem com os pobres, com a África. O Lula tem uma obsessão com a dívida que o Brasil tem com a África, com a escravidão. Ele continua com a obsessão dele com a história de café da manhã, almoço e jantar para todo mundo. Que foi a revolução que ele fez. Você não conhece na história da humanidade quem tivesse colocado 40 milhões de pessoas para comer –sem ter dado um tiro, sem ter pendurado uma única pessoa num poste, sem ter botado uma pessoa na cadeia”.
Ele segue:
“Essas convicções ele manteve. E, a elas, ele acrescentou o sentimento anti-imperialista. Ele sabe o que quer a canalha do Norte. Hoje ele sabe como ninguém. Ele conheceu de perto o Bush, o Obama e, para surpresa de muita gente, o comportamento que o Bush teve nas relações com o Brasil foi infinitamente melhor do que o do Obama. A despeito daquela fala: ‘Você é o cara’. Isso pela frente. Pelas costas, enfiando a faca. Porque na hora de resolver o problema nuclear com o Irã, o Obama se encagaçou e deu para trás. Isso vai para o segundo volume com minúcias. Quem botou grampo na Petrobras e no gabinete da Dilma foi o Obama”.
“O Lula saiu da prisão com uma clareza muito grande sobre a questão anti-imperialista e, amarrado com isso, de uma maneira indesmanchável, a questão da soberania nacional. Ele sabia que por trás dos grampos estava o desejo de ocupar de tomar as riquezas nacionais”.
Autor de “A Ilha”, “Olga”, “Chatô”, “Os Últimos Soldados da Guerra Fria” (todos pela Companhia das Letras), Morais foi deputado, secretário da Cultura e da Educação do Estado de São Paulo. Trabalhou nas principais redações do país e venceu por três vezes o prêmio Esso de jornalismo.
Na conversa com TUTAMÉIA, ele trata da conjuntura política e de história:
“Para entender o que está acontecendo no Brasil hoje, a gente tem que dar marcha a ré e ir a 1954, para o suicídio de Getúlio. Você tem que ir à Novembrada, que fez aniversário na semana passada e nenhum jornal deu uma vírgula. O marechal Lott abortou um golpe de Estado contra a posse de Juscelino, que tinha sido eleito democraticamente. Pôs para correr o Carlos Lacerda, a escória das Forças Armadas. Teve um milico importante na história do Brasil”.
“Para entender o que está acontecendo hoje, você tem que lembrar de Getúlio, de Juscelino, de Jango, da renúncia do Jânio Quadros e do monumental esforço que foi feito para não dar posse ao Jango”.
Sobre Bolsonaro, ele fala:
“É preciso deixar absolutamente claro que a transformação de que o Brasil está precisando terá que passar obrigatoriamente por escorraçar o Bolsonaro para sempre da nossa história. Para que daqui a 200 anos os tataranetos dos nossos tataranetos não consigam encontrá-lo nem nas notas de pé de página dos livros de história”.
Sobre as articulações de Lula, Morais afirma:
“Eu não sou do PT, fui contra o PT quando o PT nasceu –e eu não era do partidão. O Lula vai ter que fazer coligações, vai ter que ampliar. Se fizer aliança puro sangue, perde a eleição. Nós, que somos de esquerda e somos comprometidos com a transformação profunda da sociedade, estamos numa sinuca de bico. Porque, se a gente for apertar o Jararaca e disser que tem que fazer uma aliança puro sangue –seja dentro do PT, seja numa aliança pela esquerda, com o Boulos –, eu pergunto: o que que a gente prefere? Uma aliança puro sangue que vai dar mais quatro anos para o Bolsonaro? Ou fazer uma aliança que você tem que fazer concessões e esvurmar esse cara? Esse sujeito é uma ferida que precisa ser espremida para expor para fora o pus que ele botou nesse país nesse tempo todo”.
Geraldo Alckmin, José Serra, Antônio Carlos Magalhães, Paulo Coelho, Muammar Kadafi, Oscar Niemeyer, Fernando Haddad são alguns dos personagens que pipocam nessa conversa de Fernando Morais com TUTAMÉIA, em que também abordou a estrutura da biografia de Lula e os próximos passos do jornalista. Agora, ele vai de moto para a Bahia.
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Nota quase de pé de página: depois de duas horas e tralálá de muitas histórias, de repente a imagem de Fernando Morais se congela no vídeo. Som, nem pensar.
Isso dura por alguns minutos, até que a conexão dele cai definitivamente –pelo menos, naquele momento.
Por telefone, conversamos sobre como seguir. Ele reconecta seu computador, reinicia tudo, desliga tudo e começa de novo mais uma vez.
Nada. Pedimos então que ele faça um vídeo de despedida e nos mande pelos caminhos internéticos para mostrar para o público que continua firme, em massa, acompanhando histórias que, agora, Eleonora e Rodolfo contam, lembrando passagens do livro e da entrevista.
A ideia também fracassa: nem manda por e-mail, nem por nenhum outro caminha. Depois de cinco horas ao vivo, a gente se despede da generosa e firme plateia.
O tal vídeo só foi chegar na manhã seguinte, esta sexta-feira, e você pode acompanhar a seguir as palavras de Fernando Morais.
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