por AQUILES RIQUE REIS, vocalista do MPB4
Foi numa breve viagem que veio o encantamento. Não mais do que catorze minutos, marcados no relógio do tempo, aquele que nos induz a dormir e a acordar em movimentos regulares.
No relógio da eternidade, catorze é o marco do além-mundo, a bendita hora infinita em que tudo brilha, em que tudo se antecipa ao tempo do bem-fazer. Não há relógio real que regule a vida eterna.
Voei nos braços de um pássaro gentil que me ensinou a idealizar antes de avaliar. Nas asas do ser alado, ao invés de agrilhoado, o tempo deixou de ser manhãtardenoitemadrugada. Ainda que meio desacorçoado, pude sentir a vida girar fora de seu eixo.
No voo eu era o aprendiz. Senti frio, medo. A coragem encheu-me o peito com o mais puro ar, ar que não há na sofreguidão do clarearescurecer. Luz superabundante na eternidade do infinito, na imortalidade que não se pode tocar. Entretanto, pude senti-la forte como nunca sentira antes da breve viagem em que senti o tal encantamento.
Ouvia-se uma voz angelical: ali há vida, pensei. Pois o lacônico pode ser infinito desde que o envolvamos com a alma do quemviversonhará.
Uma voz muito aguda, penetrante como uma incisão, expondo a profundeza de um anjo bommau. Anjo que não pretende explicar nada, para ele basta ser. Soando, demonstra que o que canta vem de outra natureza. Distante da nossa, pobrezinha, já tão vilipendiada.
Enquanto propaga um novo viver, a “voz” também compõe. E lá vem ela. Vem firme em sua delicadeza; poderosa em seu vivoviver. Religiosa sem rezar, chorosa sem lacrimar, poderosa e infinita a voar.
“Olhos de Lúcifer” (de autoria do “dono da voz”) é o seu primeiro cantar, quando vocalises dobram as notas do violão de sete, derramando-se em belezas sutis.
Peço-lhe que não se impaciente, caro leitor, poucos parágrafos mais e revelarei quem é o do dono da voz encantada.
O segundo cantar, “Anjo Agreste” (de autoria do “dono da voz”), tem o violão em resfôlegos com características nordestinas. Em sua pegada seca, tudo tem sabor; e ela vem leve, solta, por vezes altiva, nobre, levando a vidaaviver.
O terceiro cantar “Apalache”, é também de autoria do “dono da voz”. Seus vocalises, ora sofridos, ora inconformados – valendo-se mais uma vez do assertivo recurso de dobrar as notas com o sete –, proporcionam uma melodia acobertada por acertada harmonia, somam-se às notas do violão, com ecos a parir a vivovida.
“Bem-Vindo” (Yamandu Costa) é a quarta faixa. Com vocalises à la Bob McFerrin (com quem o “dono da voz” já cantou em duo), ela, a “voz”, vem a capella.
Em “Franciscana” (Guinga) a “voz” logo evoca o encanto de monges franciscanos, bem como de imaginários badalares de sino, abstrações insinuadas pela melodia de Guinga. A “voz” ainda se faz ouvir em esplendidos vocalises e também cantando alguns versos.
Enfim, o compositor, dono da voz encantada, cujo EP independente é o seu primeiro trabalho solo, traz na capa apenas o seu nome: Pedro Iaco.
Deixem-se cativar por sua extraordinária musicalidade.
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