por AQUILES RIQUE REIS,

músico e vocalista do MPB4

Faz uma semana que perdemos Claudinha Telles (26.08.1957-21.02.2020). Grande cantora, ela, aos poucos, foi sendo esquecida no emaranhado de um “mercado musical” insensível. Peço licença para republicar o comentário que escrevi sobre o disco que ela acabara de lançar. Isso foi em outubro de 2009. Em tempo: no texto há, inclusive, um PS no qual eu lamento a morte de Mercedes “La Negra” Sosa, naquela semana.

CLAUDIA TELLES, UMA GRANDE CANTORA QUE O BRASIL AINDA NÃO CURTIU ADEQUADAMENTE

Claudia nasceu da música. Seu caminho foi pautado por tudo o que viu e ouviu desde que se deu por gente. Levada pela mão por seu pai, o compositor Candinho, e por sua mãe, a saudosa e admirável cantora Sylvia Telles (1935/1966), ela lançou Quem Sabe Você (Lua Music).

Claudia é uma carioca que desde os anos 1970 está na batalha para levar seu canto, afinado e classudo, aos ouvidos de tanto mais gente quanto possível. Mas no cenário atual, quase nunca disposto a dar a devida atenção a quem não está na grande mídia, pelos mais variados e por muitas vezes injustos motivos, isso é missão que pede persistência e talento enormes. E Claudia tem isso e muito mais.

Foi ao gravar “Fim de Tarde” (Mauro Motta e Robson Jorge), em 1976, que ela deu seu primeiro salto. Um ano após, novo pulo. Em homenagem à sua mãe Sylvia Telles, Claudia compôs, com Mauro Motta e Robson Jorge, “Eu Preciso Te Esquecer”, música que integrou a triha da novela “Locomotivas”, da TV Globo: “(…) Tanto tempo eu tive pra dizer/ Que tudo o que eu te fiz foi sem querer (…)

De salto em salto, o repertório, selecionado por Thiago Marques Luiz (ele que é também o produtor do álbum) e por Claudia para este seu décimo primeiro disco, só tem música boa, de qualidade.

Ronaldo Rayol fez a direção musical, enquanto coube a Hanilton Messias, com muito esmero, traduzir instrumentalmente a emoção e o talento de Claudia Telles. Com formação enxuta, os arranjos foram criados para bem mais valorizar as interpretações de uma grande cantora.

Em duo com Claudia, Emílio Santiago participa de “Biquininho Azul” (Candinho e Ronaldo Bôscoli), samba exemplar da estética bossanovista. A guitarra pontifica. A bateria vai na batida característica do gênero. O baixo marca presença. A flauta soa. O piano dá o tom para completar o espírito de uma noite típica do Beco das Garrafas, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Astral que impregna o CD.

“Reza” (Edu Lobo e Ruy Guerra), composição pós-bossa nova, revela a versatilidade de Claudia Telles, que, com suas divisões de sambista, se deixa balançar pelo cello e pela guitarra.

“Quem Sabe Você” é um tema inédito dado por Roberto Menescal e Abel Silva para Claudia. Um samba delicado, levado nas vassourinhas e com a cozinha se desdobrando em sóbrias nuances rítmicas.

Rosa Passos e Fernando Oliveira compuseram “Juras”, e, sabiamente, Claudia a gravou. O sax toca. O piano e a guitarra se embalam pelo bongô… Coisa fina.

E tem mais: “Minha Namorada” (Carlos Lyra e Vinícius de Morares), “Carta ao Tom” (Toquinho e Vinícius), “Tamanco no Samba” (Orlandivo e Helton Menezes), “Mulher de Trinta” (Luis Antônio), dentre outras.

Com a música “Não Quero Ver Você Triste”, de Roberto e Erasmo Carlos, letra de Mário Telles – última composição gravada por Sylvia Telles –, Claudia define sua vida de cantora: a emoção tem de estar presente em cada canção, e isso é o que prevalece em cada verso de seu canto.

 

  1. PS. Hay hombres que luchan un dia y son Buenos/ Hay otros que luchan un año y son mejores/ Hay quienes luchan muchos años y son muy Buenos/ Pero hay los que luchan toda la vida/ Esos son los imprescindibles” (Bertold Brecht).

Descanse em paz, imprescindível Mercedes “La Negra” Sosa.