“As elites consideram que o teatro não pode e nem deve ser popular. Nós pensamos, ao contrário, que o teatro não apenas pode ser popular, mas que todo o resto deve se tornar popular: em particular o Poder e o Estado, os alimentos, as fábricas, as praias, as universidades, a vida”.
Essas foram as primeiras linhas da primeira página do primeiro livro escrito por Augusto Boal. Quem as recupera é filho Julián Boal no posfácio da nova edição de “Teatro do Oprimido”, obra crucial do dramaturgo brasileiro relançada agora pela editora 34.
Escrito no início dos anos 1970, quando Augusto Boal se encontrava exilado na Argentina, o livro condensa as experiências do dramaturgo que revolucionou o teatro desde os anos 1960. Para ele, era preciso destruir as barreiras entre atores e espectadores: “Todos devem protagonizar as necessárias transformações da sociedade”.
Augusto Boal (1932-2009) se formou em engenharia química pela UFRJ, mas dedicou toda sua vida ao teatro. Com nomes como Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho e José Renato, criou o teatro de Arena. Preso e torturado pela ditadura militar imposta ao país em 1964, se exilou no Chile. Levou sua obra a diversos países da América Latina, da Europa e da Ásia.
“Meu pai participou de várias revoluções do teatro brasileiro”, resume Julián Boal ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima). A ideia central era “fazer com que as massas, em seu nome próprio, participem do palco da história”, afirma.
Na entrevista, Julián fala do legado multifacetado da obra do pai. Seu trabalho se espalha por grupos de diferentes áreas. Desde empresas de recursos humanos –focando em formas de adaptação ao mundo corporativo– até organizações de trabalhadores, de sem-terra, de sem-teto.
Na Índia, por exemplo, um grupo indiano que reúne 400 mil camponeses, o Jana Sanskriti, leva a obra de Boal a 350 vilarejos, 30 movimentos sociais que somam 2 milhões de pessoa. Há uma federação indiana do teatro do oprimido. Os temas em debate vão do alcoolismo ao direito das mulheres e à luta contra os poderes políticos locais.
No Brasil, vários grupos seguem as ideias de Boal. No Rio há a Escola de Teatro Popular. “É um legado em disputa. Há muitas interpretações”, afirma Julián.
Na entrevista ao TUTAMÉIA, Julián fala de vários períodos da vida profissional do pai, de sua relação com ele. Relembra de uma passagem quando do tempo de exílio na Argentina. Certa vez, o irmão de Julián chegou em casa contando que tinha levado um tabefe do professor. “Ele saiu. Nem colocou sapato para ir para a escola para tirar satisfação do professor”, conta.
Julián, que trabalhou com o pai, rememora:
“Ele ficava muito feliz trabalhando. Tinha uma energia transbordante. Tinha uma capacidade de imaginar processos muito forte. É o melhor pai sonhado. Uma risada muito gostosa, muita generosidade, muita confiança. Ele estaria puto com o governo Bolsonaro”.
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