Ele foi líder estudantil, elaborou críticas de cinema no rádio e criou peças de teatro. Entrou na luta armada contra a ditadura militar. Com Lamarca, fez treinamento para guerrilha no Vale do Ribeira. Participou de dois sequestros de embaixadores. Na clandestinidade, nunca foi preso. Em Paris, trabalhou numa sauna gay: massagista, garçom, caixa, leão de chácara, gerente, porteiro. De volta ao Brasil, entrou de cabeça no movimento pela redemocratização. Assumiu a linha de frente pelos direitos dos homossexuais e lutou pelo apoio aos doentes de Aids: a solidariedade e o abraço eram suas formas de combate contra a discriminação, o isolamento e o preconceito.
Essa múltipla trajetória é de Herbert Eustáquio de Carvalho, conhecido como Herbert Daniel, e está em “Revolucionário e Gay – A Vida Extraordinária de Herbert Daniel”, de James Green. Professor de história latino-americana na Brown University (EUA), o autor falou ao TUTAMÉIA sobre o livro (editado pela Civilização Brasileira) e a situação política brasileira.
A obra traz depoimento da presidenta Dilma Rousseff, que militou com Daniel. “Vivíamos a opção pela luta armada e compartilhamos convicções, confidências e sonhos. Ficamos muito amigos e assisti no dia a dia daqueles tempos a sua progressiva transformação em Herbert Daniel”, escreve Dilma na orelha do livro.
Ao TUTAMÉIA, Green dá detalhes dessa metamorfose (acompanhe no vídeo acima). Trata das angústias do militante que, em certo momento, resolve reprimir sua sexualidade em nome da luta revolucionária. Depois, confronta paradigmas conservadores para amplificar o debate por direitos LGBTs. Expõe os embates políticos e o contexto ditatorial que buscava esmagar uma geração em busca da liberdade.
Diretor da Brown’s Brazil Iniciative e do Opening the Archives Project e diretor-executivo da Brazilian Studies Association, Green, nascido em 1951, é ativista da causa LGBT. Atuou contra a Guerra do Vietnã e acabou se interessando pela América Latina, onde ele achava que os EUA poderiam provocar um novo conflito. Viveu no Brasil entre 1976 e 1982.


Na entrevista, Green fala de sua preocupação com o avanço da direita no Brasil e no mundo. Diz que políticos de direita –como Trump, Le Pen e Bolsonaro– trabalham com o medo:
“Conseguem uma base de pessoas, de classe média baixa, com medo e com paranoias de que o outro vai dominar o mundo. E isso é perigoso não só pela possibilidade de acabar com as conquistas dos últimos quarenta anos, mas para levar o mundo para o fascismo”. E acrescenta:
“Digo isso com muito cuidado. Porque é muito perigoso fazer analogias com o que aconteceu nos anos 1930 e 1940. São situações diferentes; analogias simplificadas podem desvalorizar tanto a realidade do passado quanto não entender a realidade do presente, fazendo comparações que não batem. Mas é muito preocupante. O fato de Bolsonaro ter um apelo no país é muito preocupante para o Brasil. Se 20% da população está apoiando essa ideia é muito pior do que a UDN dos governos entre 1945 e 1964 tinham. Ou que o integralismo durante os anos 1930.”
Green é um ativista contra o golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff. Com ela, percorreu os EUA para denunciar o impeachment. Agora, protesta contra a prisão do presidente Lula, apontando a farsa do processo judicial do Triplex.
“A democracia está em risco desde 2016, desde o golpe. Ainda está em risco e vai ficar mais em risco. O fato de Bolsonaro ter tanto apoio é indicação de que está em risco. Fizeram o golpe para derrubar Dilma e não deixar Lula ser candidato. Depois vão deixar o PT ter candidato? Não sei. Espero que as Forças Armadas fiquem tranquilas, sem pensar na necessidade de intervenção na sociedade, mas pode acontecer. Pode ter situações muito piores do que Temer no governo nos próximos anos”.
Ao TUTAMÉIA, Green fala dos cenários eleitorais (compara com a eleição de 1945, em que Getúlio Vargas transferiu votos para o seu candidato no último momento), do avanço conservador, da luta LGBT.