A situação do Brasil é a pior possível, afirma o professor de ciência política Paulo Sérgio Pinheiro, secretário de direitos humanos no governo Fernando Henrique. “O governo golpista, ilegítimo, que saiu do impeachment da presidenta Dilma pôs abaixo tudo o que construímos no campo dos direitos humanos. E promove o desmonte dos direitos estabelecidos pela Constituição de 1988.”
Em entrevista ao TUTAMÉIA, Pinheiro diz que, com isso, “o governo desarticula a sociedade”.
E segue: “Esse é o objetivo do golpe. É anular os ganhos mínimos que a maioria pobre, em pobreza extrema, recebeu. Esse é um governo antipovo. É um governo que legisla contra a população. E tem o apoio da legislatura mais regressista da história da República”.
O cientista político, que foi coordenador da Comissão Nacional da Verdade e atua há anos como consultor das Nações Unidas na área de direitos humanos –atualmente é presidente da comissão que investiga a situação na Síria–, considera um escândalo a prisão do presidente Lula, e aponta a responsabilidade do Supremo Tribunal Federal no caso.
“O Supremo tem, no seu legado negativo, a consagração da impunidade dos criminosos das Forças Armadas durante a ditadura –eu não digo que são as Forças Armadas do presente, que não têm nada a ver com isso–, a tolerância da condução do processo de impeachment por um réu e, em terceiro, por toda esse afã, essa volúpia de meter o presidente Lula na cadeia e, com isso, neutralizar uma das principais forças políticas”.
Com voz indignada, afirma: “O que eles fizeram foi pôr abaixo um preceito constitucional para meter o presidente Lula na cadeia”.
Trata-se de um impeachment preventivo contra o presidente Lula, diz Paulo Sérgio Pinheiro, citando o professor de filosofia política Renato Lessa. Assim, tem continuidade o processo de desmonte institucional que começou com o golpe contra a presidenta Dilma.
Pinheiro denuncia o papel que tiveram no golpe a mídia, que “diabolizou o PT, diabolizou o presidente Lula e a presidenta Dilma”, e o Congresso, “congresso de paus mandados dos interesses mais conservadores”.
Mas alerta que a reação contra o golpismo foi insuficiente.
“Eu devo dizer que, no caso da presidenta Dilma, temo que as forças democráticas, mesmo as de esquerda, não deram o apoio necessário. Essas historinhas de que ela tem mau humor, que ela não trata bem as pessoas, isso tudo é conversa prá boi dormir, porque os governantes machos se comportaram sempre pior do que a presidenta Dilma. Na hora agá, acho que as forças democráticas de esquerda não apoiaram a presidenta Dilma. Se tivesse havido esse apoio –é uma declaração um pouco irresponsável—o impeachment teria sido mais difícil.”
O fato é que o golpe acabou vitorioso e iniciou sua ação destruidora. Mas não consegue sustentação política, no entender de Paulo Sérgio Pinheiro.
“Hoje, porém, 70% da população acham esse governo ruim e péssimo. O que esses mentecaptos jovens da direita podiam se manifestar, organizar, acho que eles já fizeram. Eles deram com os burros n`água, estão num mato sem cachorro porque os candidatos que eles estão debatendo têm encontrado algumas dificuldades nas intenções de voto.”
O que não significa que estejam derrotados: “Eles têm todo o interesse em preservar essa situação, de uma forma extremamente golpista, ilegal, eu diria até criminosa, que se consolidou no impeachment da presidenta Dilma e no impeachment preventivo do presidente Lula”.
Para se contrapor a isso, Pinheiro propõe a formação do que chama um arco de aliança das forças democráticas.
“É importante cada força de esquerda não brigar com a outra, querendo sempre estar mais à esquerda do que seu vizinho ao lado, que é de esquerda. Precisa haver um pacto de não agressão e diálogo, diálogo, diálogo. Conversar o tempo todo, fazer uma espécie de telefone vermelho entre os partidos de esquerda para nós não fazermos bobagem. Isso é condição para armar um arco democrático amplo, que hoje francamente eu não sei qual vai ser o limite. O limite que eu tenho é a candidatura de extrema direita. Agora, no centro direita, na direita, hoje não sei, mas as forças políticas vão saber…”
E continua:
“Nesse arco democrático participam os artistas, os intelectuais, os acadêmicos, os movimentos populares, os movimentos negros. A democracia, no Brasil, se não atingir a maioria negra, jamais será uma democracia consolidada. Essa frente, esse arco democrático, tem de dar uma atenção especial ao problema do racismo, da discriminação racial no Brasil.”
Enfim, o golpe não é eterno nem todo-poderoso: “Não há motivo para as forças democráticas, da esquerda até a centro-direita, ficarem acomodadas. É importante organizar a resistência.”
E prevê: “A sociedade brasileira têm uma resiliência enorme. Acho que o povo brasileiro será capaz de dar a volta por cima”.
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