“Temos duas guerras. A guerra da Otan levada na Ucrânia contra a Rússia. Aqui já tem uma definição muito clara. Não é uma guerra entre a Ucrânia e a Rússia. É uma guerra da Otan com a Rússia. E temos uma guerra midiática sendo travada entre os grandes meios de comunicação mundiais e a Rússia. A guerra no campo de batalha está resolvida. A Ucrânia perdeu cerca de 20% do seu território e está buscando meios de negociação, agora em Istambul, com a mediação da Turquia, para resolver como isso vai ser estabelecido num acordo. No campo midiático, a Rússia está levando uma surra de grandes proporções”.
A avaliação é do historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao TUTAMÉIA. Nesta entrevista, ele trata das questões militares, midiáticas, econômicas e geopolíticas do conflito. Aponta a Europa como a grande perdedora do embate, fala de um efeito bumerangue nas sanções e identifica mobilizações inéditas ocorridas na guerra (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
“Estudo guerra há mais de 30 anos guerra. A grande novidade do atual conflito é exatamente o retorno pleno da guerra nas suas amplas dimensões ao mundo atual. Houve uma revolução tecnológica em armas que os russos fazem no seu arsenal. Os russos, em vez de buscar uma corrida armamentista na área nuclear –claro que eles mantiveram e renovaram o seu armamento nuclear–, caminharam para um setor novo: as armas hipersônicas. Eles ganharam uma vantagem tecnológica sobre os Estados Unidos, comprovada na Síria e que utilizaram agora na Ucrânia. Isso desequilibrou enormemente a situação em tecnologia militar. E isso não poderia ser aceito. Foi buscado ali pela aliança atlântica um momento para criar uma situação de revés da Federação Russa que era para os americanos agora ou nunca. E que tinha um impacto sobre a China”.
TRÊS INEDITISMOS
Na visão de Teixeira, a guerra na Ucrânia trouxe reações inéditas, com dimensões inesperadas. Como exemplo, ele cita três situações:
Primeira: “O secretário-geral da ONU assumir um lado e defender um lado. Isso nunca foi visto em nenhuma guerra em nenhuma situação. Nem no Vietnã, nem no Oriente Médio, nem a questão Palestina. É inédito. O que inviabiliza a ONU como uma assembleia de nações”.
Segunda: “Ninguém esperava que a Suíça aderisse a um pacote de sanções e colocasse suas instituições financeiras em linha para fazer sanções e confiscar as contas. A Suíça não fez isso com os nazistas. É inédito. Por que fez isso? A ameaça das grandes economias financeiras, Nova York e Londres, contra os bancos suíços. É claro. As duas praças disseram: ‘A gente vai bater em vocês. Coisa que Londres e Nova York nunca fizeram em relação ao nazismo. Londres nunca fez isso em reação ao terrorismo. O Barclays Bank continua recebendo depósitos vindos do Oriente Médio totalmente envolvidos no financiamento do terrorismo. Contas que vêm da Índia, do Paquistão e do Catar estão impunes financiando o terrorismo internacional”.
Terceira: “Instituições como a Organização Mundial da Saúde e a Unesco tomar posições políticas para expulsar a Rússia. É inédito. Essas organizações, que deveriam ser de cooperação, resolveram se reunir para expulsar a Rússia. Até a Fifa. Para isso, os russos não estavam preparados”.
DERROTA DA EUROPA
Ao analisar os impactos econômicos da guerra, sobretudo na questão energética, com o bloqueio do gasoduto entre a Rússia e a Alemanha, diz Chico Teixeira:
“A Europa é a grande derrotada nisso tudo. Empresas alemãs como Siemens, Basf, Mannesmann tinham participação fundamental ao lado da Gazprom [no gasoduto Nord Stream 2]. Isso tudo foi destruído em favor de empresas como a General Eletric e a Halliburton, que assumem agora o fornecimento de energia para a Europa. É uma destruição completa dos próprios interesses europeus em favor dos interesses americanos.
“Em favor das companhias americanas que chegaram, em 2018 para 2019, no seu ápice da produção de gás e petróleo por fracking e não tinham mais onde colocar esse gás. E estavam indo para uma quebradeira em grande escala. Os bancos financiadores dessas empresas estavam desesperados. A grande área de fracking nos EUA são os estados que votaram massivamente no Biden”.
“O impacto das sanções, embora elas sejam muito severas para a economia russa, tem um efeito bumerangue. Esse efeito bumerangue se espalha pela Europa toda e chegam, como preço nos combustíveis, aos EUA. A coisa mais sensível para o americano médio é o preço da bomba de gasolina”.
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