Em pouco mais de quinze dias, o jovem bancário José Luiz viajou de avião pela primeira vez, ficou eufórico no comício da Central, conheceu Carlos Marighella que o deixou apreensivo e foi pedir armas para um general golpista.

Detalhes desses momentos intensos daqueles idos de março de 1964 estão no depoimento de Del Roio ao TUTAMÉIA. Então liderança da juventude do PCB, ele foi um dos criadores da ALN (Ação Libertadora Nacional), maior grupo da luta armada contra a ditadura. Anos mais tarde, foi senador na Itália e membro da Assembleia Parlamentar da Europa em Estrasburgo.

Na entrevista, realizada em 4 de março de 2024, poucos dias antes de seu aniversário de 82 anos, José Luiz Del Roio analisa o contexto da ditadura no Brasil e fala da necessidade da luta permanente por memória. Nas suas palavras:

“A resistência armada foi um erro? Não. Era necessário criar uma narrativa de resistência. Como você pode ter um golpe safado, fascista, pró-imperialista, e não resistir? O povo brasileiro precisa saber que houve resistência na sua história. De quilombolas, de camponeses, da armada ao golpe militar. A resistência armada à ditadura dignificou a oposição no Brasil, as forças nacionais que lutavam contra forças imperialistas. Por isso é que a luta é tremenda para esmagar a consciência dessa luta armada. Sempre tentam fazer esquecer. Se conseguirem isso, a história do Brasil vai ser muito mais pobre, e a construção de um projeto nacional será mais difícil. A luta armada é alicerce, por modesto que seja, para a construção de um estado nacional forte e independente”.

Ao TUTAMÉIA, Del Roio lembra que o período que antecedeu o golpe era uma época extraordinária para um jovem. “Tinha todo um projeto de nação, era um momento de grande euforia, revolução cubana, revolução argelina”.

Del Roio foi para o comício do dia 13 de março, na Central do Brasil como uma das lideranças da juventude do Partido Comunista em São Paulo.

“Foi a primeira vez que eu entrei num avião. Eu não conhecia o Rio. Foi uma euforia. Depois do comício, fomos ao comitê central do partido. Encontramos lá o Marighella. Foi aí que eu conheci o Marighella”, recorda.

Del Roio lembra que Marighella “deu um banho de água fria” no grupo de jovens. “Tinha um grande mapa do Brasil atrás dele. Pôs a mão no Nordeste e disse que aqueles quarteis estavam na mão de golpistas. E [percorrendo o mapa com a mão, apontava] aqui na mão de golpistas, e aqui…Ele disse: ‘Minha gente, a situação é grave, a possibilidade de golpe é muito alta. Vocês se preparem para isso’. Ele nos desiludiu bastante”.

Análise praticamente oposta Del Roio ouviu poucos dias depois no secretariado do PC em São Paulo. Foi logo após a “Marcha da família com deus pela liberdade’. Os dirigentes municipais do partido tinham avaliado que o movimento guardava aspectos positivos, pois trazia a política para as ruas.

Quando começaram a chegar as notícias do golpe em andamento, Del Roio acabou indo para a Maria Antônia.

“Na Maria Antônia chegou a informação de que o general [Amaury] Kruel, que era compadre do Jango e comandava o segundo exército, iria resistir. Foi decidido que iríamos conversar com o general, e eu fazia parte da comissão. Fomos em 5 ou 6, já era escuro. Esperamos lá umas duas horas; fomos bem atendidos. Na nossa gloriosa cabeça, nós queríamos armas, estávamos dispostos a combater. Já eram 9 ou  10 da noite, quando um major diz: ‘Gente, desapareçam! O general aderiu ao movimento’. Foi muito gentil. Depois se soube que, enquanto a gente estava lá, o general estava sendo comprado. Tem muitas divergências, se deram um milhão de dólares ou 5 milhões de dólares. Mas um caminhão de dólares foi dado para ele aderir ao golpe”.

Avalia Del Roio sobre o caráter do golpe:

“O golpe final é dado por um traidor no senado e pelo governo dos Estados Unidos. Foi um golpe imperialista. E os generais que fizeram esse golpe são dependentes do imperialismo, não são nacionais. Podem falar português, mas não são nacionais. Fizeram para o grande capital, para as multinacionais”.

Del Roio lembra que a orientação do Partido Comunista para a militância naquele momento agudo foi a de fazer um “recuo organizado”.

“Recuo organizado foi uma palavra de ordem sozinha, solta, profundamente errada. Provocou um trauma violentíssimo no partido. Tanto que a maioria do partido de São Paulo vai aderindo a posições mais de esquerda”, afirma, acrescentando que a resultante desse movimento foi a criação, depois, da ALN.

Na entrevista, Del Roio trata da conjuntura atual e manda um recado para os militantes de hoje:

“Quem luta pela transformação social, pela felicidade coletiva deve ter como corte não a tragédia, a dor. Tem que combater, na medida do possível, de forma firme e dura, mas alegre. Ser um militante político para o socialismo, para a libertação da pátria, pela igualdade dentro da sociedade é uma alegria, é uma felicidade. Então, alegria, alegria, minha gente!”

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O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Roberto Requião, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira.

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