Todo mundo já ouviu falar de Watergate. Poucos talvez conheçam o caso dos papéis do Pentágono. Ambos episódios estão ligados à queda de Richard Nixon e à derrocada nos EUA na guerra do Vietnã.
Watergate foi retratado com maestria por Alan Pakula no filme “Todos os Homens do Presidente (1976), com Robert Redford e Dustin Hoffman. Agora, o episódio dos papéis secretos finalmente é recuperado por Steven Spielberg e, “The Post”.
Rememorando. O governo dos EUA produzia relatórios sobre o andamento da guerra no Vietnã havia décadas. Os observadores contratados relatavam um beco sem saída, um inexorável morticínio para os jovens norte-americanos. Apesar de saber disso, as autoridades seguiam levando milhares para batalhas já perdidas. Mentiam, mentiam, mentiam, dizendo que tudo ia às mil maravilhas no front.
Até que um dos autores dos estudos, Daniel Ellsberg, resolveu levar à imprensa os documentos secretos. Os vazamentos acabaram colocando em xeque a herdeira do “Washington Post”, então um jornal provinciano e pouco audacioso. Katharine Graham, envolta numa atmosfera aristocrática e machista, precisou enfrentar seus monstros para tomar a atitude que mudou a guerra pela liberdade de imprensa e teve influência nos desdobramentos no Vietnã.
Kay, vivida por Meryl Streep, debate poder e liberdade de imprensa com o intrépido editor Ben Bradlee (personagem vital para a emergência do caso Watergate, anos depois). Tom Hanks incorpora com excelência os trejeitos do lendário jornalista.
Matthew Rhys (o espião soviético na ótima série “The Americans”) interpreta Ellsberg, o histórico precursor de Edward Snowden. Sem a existência das memórias computacionais, era preciso manobrar milhares de páginas e xerocar toda a maçaroca de informações a ser debulhada.
Era 1971 e os Estados Unidos estavam atolados na guerra que matou 58 mil norte-americanos e mais de um milhão de vietnamitas (há estimativas que chegam a 3 milhões). Mesmo com o quadro desfavorável, o governo dos EUA insistia no conflito. Num diálogo de “The Post”, alguém pergunta a razão da continuidade da nefasta estratégia de seguir guerreando. A resposta: 10% para apoiar os aliados sul-vietnamitas (de um governo teleguiado), 20% para combater os comunistas e tentar evitar o dito “efeito dominó” na região, e 70% para não passar pelo vexame de recuar.
A guerra inflamava o movimento pacifista. Filhos da burguesia, naquele tempo, também iam para a batalha (isso já não acontece hoje). A oposição ao conflito crescia na sociedade e obtinha eco na elite _um dos subtemas do filme. Nesse contexto, a divulgação dos papéis secretos teve enorme repercussão e catapultou a oposição ao governo. Manifestações populares clamavam por liberdade de imprensa.
A luta por esse direito é o cerne de “The Post”. O governo –como muitos em outras épocas e lugares— queria proibir a divulgação de dados oficiais em nome de uma alegada “segurança nacional”. O enfrentamento coube a uma mulher da elite e amiga pessoal dos poderosos de então.
TUTAMÉIA gostou muito de “The Post”. Eletrizante, a fita consegue mergulhar com um novo olhar nessa fase da história tão retratada pelo cinema. Bata lembrar de “Corações e Mentes” (Peter Davis, 1974), “Platoon” (Oliver Stone, 1986), “Apocalypse Now” (Francis Ford Coppola, 1979), “Nascido para Matar” (Stanley Kubrick, 1979).
No Remelexo da Notícia (nosso comentário transmitido ao vivo) fizemos uma crítica do filme. Falamos de leituras que gostamos sobre a guerra do Vietnã. Recordamos de obras de Ho Chi Minh, o líder revolucionário vietnamita, do general Vo Nguyen Giap, o cérebro militar da guerra.
Giap, em três décadas, derrotou a França, o Japão e os EUA. Não é pouca coisa. Tudo isso ele fez com um arsenal inicial de 2 revólveres, 17 fuzis, 14 espingardas de pederneira e uma metralhadora leve. “Algumas daquelas armas haviam visto serviço pela última vez na Guerra Russo-Japonesa, de 1905”, conta o norte-americano Cecil Currey na biografia “Vitória a Qualquer Custo” _editada no Brasil pela Biblioteca do Exército Editora.
O livro vale. O militar dos EUA conta a trajetória do general e esmiúça suas táticas de guerra. Currey entrevistou Giap e destaca essa declaração do vietnamita: “Se pudermos ter o povo conosco, ninguém nos derrotará. A ideia é simples, mas não é fácil de ser seguida”.
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