A intervenção no Rio de Janeiro esvazia a candidatura de Jair Bolsonaro e pode fortalecer a de Geraldo Alckmin. Essa é a leitura que faz o antropólogo Luiz Eduardo Soares, secretário nacional de Segurança no governo Lula, da medida anunciada hoje por Michel Temer.

Em entrevista exclusiva ao TUTAMÉIA, Soares afirma que o decreto não vai resolver o problema da segurança no Estado e tem objetivos políticos e midiáticos.

“É uma intervenção para eleitor ver. Para baixar a temperatura e criar um consenso mínimo, valorizando as Forças Armadas. É a bandeira da lei e ordem. Quem navegar com essa bandeira tende a prosperar. Mas não será um bolsonaro da vida. Porque, quando o Exército está presente, o capitão é marginalizado”, diz.

Na sua avaliação, “essa intervenção no Rio esvazia Bolsonaro e abre espaço para candidaturas que sejam capazes de colher o que Bolsonaro está semeando”.

E acrescenta: “Vejo potencial muito grande de fortalecimento de uma candidatura do tipo [Geraldo] Alckmin. Ele vai passar olimpicamente ao largo da intervenção, mas vai se beneficiar do esvaziamento de Bolsonaro. O Exército, de certa maneira, vai dizer para a população: ‘Se vocês querem falar a sério, falem com um general, não com um capitão’. Na medida em que o clamor do discurso do Bolsonaro é atendido na prática, entre aspas, ainda que de forma moderada, ele perde discurso. Em vez de um aventureiro de direita, vamos ter a solidez e a consistência do poder militar mostrando como se pode operar. Isso certamente esvazia Bolsonaro. E cria um espaço nacional, uma avenida para que essa candidatura de centro conservadora atraia esses votos e se fortaleça”.

Avaliando a intervenção no Rio dentro do contexto do governo golpista e ilegítimo, Soares declara que o objetivo do movimento de agora é “tentar buscar legitimidade na marra, na força e endossar o discurso bolsonariano sem Bolsonaro. É um bolsonarianismo sem Bolsonaro”.

Assim, na sua visão, o governo busca capitalizar o clamor protofascista existente na sociedade decretando uma medida que associa o governo federal com uma capacidade de enfrentamento à criminalidade”.

“Estamos criando espaço no Rio para alguma redução de sintoma até as eleições. Nesse ambiente pode prosperar uma candidatura que expresse esse discurso conservador, com alguma moderação. Não será extremista como Bolsonaro, mas que seja capaz de absorver os votos de Bolsonaro e desse tipo de ardor ideológico, apresentando-se como uma candidatura de centro. Mas abrindo perspectivas para fortalecimento futuro do grupo que provirá desse governo ilegítimo. Essa operação no Rio é também eleitoral. Daí pode emergir uma candidatura forte, até hoje inexistente, para o governo no Rio e talvez não apenas. Talvez não um capitão, mas um general ou similar”.

Vitória dos progressistas

Apesar da manobra, o antropólogo não acredita na vitória de Alckmin. Ele afirma que a candidatura de Lula não está sepultada. E considera que, mesmo que Lula não venha a concorrer, “as forças democráticas progressistas serão capazes de oferecer uma candidatura vitoriosa. Mas a candidatura Alckmin me parece fortalecida por essa operação no Rio”.

“Para os conservadores pode ser uma solução no sentido político. Fortalece o governo federal, oferece uma possibilidade de unidade em torno de um certo discurso para a disputa eleitoral no Rio de Janeiro. Quem vai ser porta-voz que se manifesta na intervenção? Um general? Politico? Houve um deslocamento e há a emergência de um grande ator que são as Forças Armadas, o Exército, o general responsável”, diz.

Co-autor de “Elite da Tropa” (Objetiva, 2005), Soares declara que “o governo federal não está preocupado em resolver a questão da segurança pública”. Se estivesse preocupado, assinala, convocaria a sociedade, o congresso para discutir as mudanças profundas e estruturais. E deslocaria recursos para os mais pobres, em vez de pagar juros absurdos aos rentistas.

“Intervenção como essa, em ano eleitoral, de forma reativa, voluntarista, não dá conta disso”, diz. “Deixamos de enfrentar os grandes problemas e tratamos da crise em momento de emergência”.

Segundo ele, uma eventual redução de sintomas será magnificada pela grande mídia, e a percepção geral será de alívio num primeiro momento. Mas nada de fato consistente será feito para atacar o problema –o que envolveria amplas políticas sociais, culturais, educacionais, mudanças nas polícias, na equivocada política de encarceramento em massa, na legislação sobre drogas.

Manipulação das Forças Armadas

Soares, 63, alerta que as Forças Armadas não estão preparadas para enfrentar questões de segurança pública e teme que o movimento de agora possa ser a antessala de “uma degradação institucional como a que aconteceu no México”.

Internamente, as Forças Armadas devem ter uma reação muito negativa ao ato de Temer, ele avalia. Os militares “são inteligentes suficientemente para saber tudo que sabemos: não vai resolver o problema, não é o caminho. E, nesse ano eleitoral, cria, não só um precedente, mas um espaço que basicamente reforça o campo político ideológico do governo. É claro que eles estão vendo isso e não devem estar satisfeitos com a manipulação de que estão sendo objeto”.

E alerta para problemas no desenrolar da operação. “É quase impossível que não ocorram problemas na ponta. Quando morrer o primeiro civil, vamos ter um caso internacional. Para a imagem das Forças Armadas, isso é muito negativo”.

Na visão de Soares, nesse processo a negociação com a mídia será decisiva, já que a intervenção “é só aparência, sem consistência”, sem enfrentamento real dos problemas. “Se trata de ‘Jornal Nacional’. A operação militar é um problema editorial”.