Dezenas de coletivos de torcidas antifascistas de clubes de futebol de todo o país lançaram neste fim de semana nota de repúdio às comemorações da ditadura militar feitas pelo governo de Jair Bolsonaro.

Militantes das torcidas também participaram de atos e manifestações aos presos, torturados, mortos e desaparecidos durante a ditadura. Em São Paulo, ativistas do Coletivo Democracia Corinthiana foram agredidos por elementos defensores do bolsonarismo, sendo obrigados a reagir de forma enérgica.

Além das “antifas”, torcidas tradicionais e cluibes também fizeram manifestação em defesa da democracia e contra a ditadura militar e aqueles que querem fazer o Brasil voltar aos “anos de chumbo”.

Um exemplo foi a Gaviões da Fiel, principal torcida organizada do Corinthians. Em Recife, as torcidas do Santa Cruz lançaram documento conjunto. Em Porto Alegre, a torcida do Grêmio participou de ato de repúdio às manifestações do governo Bolsonaro.

No Rio de Janeiro, a Nação Rubro-Negra fez uma belíssima homenagem a Stuart Angel, militante do MR8 assassinado sob tortura durante a ditadura militar e ex-remador do clube. Realizaram uma concentração em frente ao Clube do Remo e entregaram à irmã de Stuart, jornalista Hildegard Angel, uma camisa do Flamengo feita especialmente para a homenagem, levando o nome do guerrilheiro e o número 25 –a idade que ele tinha quando foi assassinado (fotos abaixo).

A SEGUIR, ÍNTEGRA DO TEXTO DISTRIBUÍDO PELAS TORCIDAS ANTIFASCISTAS

GOL CONTRA: DITADURA MILITAR IMPÔS DERROTA AO BRASIL

Os coletivos e torcidas antifascistas vêm a público manifestar total repúdio ao incentivo irresponsável do presidente da República, Jair Bolsonaro, para que as Forças Armadas comemorem o golpe contra a democracia ocorrido em 31 de Março de 1964, no qual foi deposto o legítimo presidente João Goulart.

Hoje, em tempos de pós-verdade, a direita nacional procura difundir uma ficção em torno do período da Ditadura Militar, entre 1964 e 1985. Afirmam que “salvaram o Brasil do comunismo”, que “só bandidos foram presos”, que a “corrupção foi extinta” e que “houve grande crescimento econômico”.

Na verdade, trata-se de uma coleção de mentiras e falsidades. O governo Goulart não era comunista e apenas propunha tímidas reformas de interesse popular.

Nestes 21 anos de terror de Estado, operários, camponeses, índios, estudantes, professores, advogados, jornalistas, religiosos, entre outros cidadãos corretos e dignos, foram presos e torturados apenas por divergir do regime autoritário. No total, segundo farta documentação da Comissão da Verdade, 6.591 militares foram presos, torturados ou mortos durante esse período.

Muitas mulheres sofreram durante a repressão, liderada por delinquentes sádicos como Sérgio Paranhos Fleury e Brilhante Ustra, este último ídolo do fascista Jair Bolsonaro. A cultura do estupro punitivo vigorou em boa parte dos “anos de chumbo”. Muitas dessas companheiras foram torturadas e depois assassinadas. Hoje, historiadores e jornalistas mostram que também bebês, crianças e adolescentes sofreram nas mãos cruéis dos repressores.

O regime militar foi, sobretudo, corrupto. Os escândalos eram, no entanto, abafados por meio da censura à imprensa. Desviava-se dinheiro em obras faraônicas, como a rodovia Transamazônica. Os casos Capemi, Lutfalla, Coroa-Brastel, entre outros, mostram que a corrupção era uma marca do regime. O chamado “Milagre Econômico” foi fugaz e gerou benefício duradouro a poucos privilegiados. Na Ditadura Militar, marcado pelo êxodo rural, o Brasil assistiu à multiplicação de favelas e ao inchaço daquelas já existentes.

Os golpistas de 1964 geraram concentração de renda, atraso tecnológico e uma inflação galopante, que empobreceu os brasileiros. O esporte serviu para manipular a opinião pública, fenômeno ufanista que ficou claro durante a Copa de 1970, quando o presidente Médici aproveitou a conquista da Seleção Brasileira para calar opositores e reprimir os movimentos pela democracia.

Naquela época, até mesmo a escalação da Seleção Brasileira sofria com as ingerências do governo fardado.

O esporte, como instrumento educativo e de socialização, sofreu tremendamente com o regime infame instituído em 31 de Março. Muitos atletas foram torturados e assassinados, como Helenira Rezende e Carlos Alberto Soares Freitas, do basquete, e os remadores José Huberto Bronca e Eremias Delizoicov. E também caiu na luta o boxeador Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão.

Foram muitos os perseguidos no futebol, como o técnico e jornalista João Saldanha. Muitos jogadores também sofreram com a repressão, alguns presos, outros sabotados, como Nando, irmão de Zico; Sócrates, Afonsinho, Reinaldo, Tostão e Wladimir.

Foi também durante a Ditadura Militar que se iniciou o processo de criminalização das torcidas de futebol, consideradas como possíveis células subversivas. Naqueles anos, centenas de torcedores foram presos e muitos sofreram com a tortura em delegacias e centros de interrogatórios.

É preciso, portanto, que os brasileiros acordem e resgatem a verdadeira história da Ditadura Militar e se conscientizem dos perigos representados pelo fascismo, um inimigo do esporte das multidões.

No Brasil, o 31 de Março iniciou um 7 a 1 contra a democracia e a civilidade. Que seja lembrado como o início de um período de ignorância e barbárie.

Que possamos recuperar a verdade, instaurar uma cultura de paz e anular este “gol contra” que o fascista Bolsonaro marcou contra todos os brasileiros.

ADENDO

O Coletivo Democracia Corinthiana distribuiu, na noite de domingo, nota sobre a agressão que torcedoras corinthianas sofreram na avenida Paulista. A seguir, a íntegra:

NOTA OFICIAL DO CDC
SOBRE OS CONFLITOS NA AVENIDA PAULISTA

O Coletivo Democracia Corinthiana esclarece que sofreu ataque de um grupo fascista ao término de ato contra o regime militar genocida iniciado em 31/03/1964.

Pessoas armadas de sprays de pimenta, bastões de madeira e até mesmo um aparelho manual de eletrochoque agrediram mulheres cedecistas diante de uma estação de metrô.

Cientes dos direitos de ir e vir e de livre expressão, os cedecistas agiram em legítima defesa, enfrentaram um grupo numeroso de bolsonaristas e fizeram cessar o ataque covarde.

Toda vez que mexerem em nosso vespeiro, sentirão os ferrões de quem preza a democracia, a liberdade e a civilidade. Não nos calaram hoje, não nos calarão jamais.

Chamaram nossas companheiras de “putas feministas” e essa provocação só mostra que estamos incomodando o patriarcado, os machistas e os adeptos da misoginia.

A valentia corinthiana ajudou a vencer a Ditadura Militar imposta em 1964. Seguiremos cumprindo nossa missão e vamos derrotar também a irracionalidade e a tirania do bolsonarismo.

Até a vitória!