A viagem de Jair Bolsonaro aos EUA deixou clara a subordinação descarada aos interesses do capital norte-americano. Essa subserviência do governo é uma jogada burra da burguesia brasileira. Bolsonaro é um presidente despreparado e foi eleito por uma fraude; ele não tem base social real da maioria da população brasileira. As contradições entre os grupos que estão no poder vão inviabilizar o governo.

A análise é de João Pedro Stedile ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima). Dirigente histórico do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), ele afirma: “Lutar pela liberdade do Lula é lutar para se recompor a democracia no Brasil. Precisamos mostrar para a população que o Lula só está preso porque eles precisam calá-lo. Ele pode ser o líder da maioria do povo para fazermos um grande mutirão nacional para nos contrapormos a esse governo”.

Para ele, o atual governo “não tem projeto de desenvolvimento nacional e não tem interesse em resolver os problemas do povo. É fundamental termos um outro projeto e um outro debate na sociedade. Enquanto o Lula estiver preso vai ser muito difícil fazermos esse debate na sociedade e recuperarmos espaços de democracia. Temos que nos livrar dessa mentira de que o Lula é ladrão, provar para a população que o Lula é um líder popular e seu único compromisso é com as mudanças a favor do povo”.

E segue:

“Lula tem o papel fundamental de unir o povo. O afastamento do Lula gera também disputas internas no partido, oportunismos de todo o tipo. O Lula solto recomporia a unidade dentro do PT e entre os partidos de esquerda”.

PEITAR O GOVERNO E O CAPITALISMO

Na visão de Stedile, não há outros líderes da estatura de Lula porque “quem produz os líderes não são os partidos, mas o movimento de massa. E houve um refluxo do movimento de massas nos últimos 20 anos. A própria esquerda se confiou nos espaços institucionais e deixou de estimular mobilização popular”, diz.

Sua avaliação é a de que o movimento popular segue em refluxo. Pode ser que a ameaça de fim da aposentadoria pública e/ou a crise econômica levem à “eclosão de uma rebeldia no Brasil” –o que depende também da capacidade de organização. Stedile lembra que, no passado, o “reascenso era baseado no operariado industrial, no sindicato e no partido. Era quando o capitalismo industrial era o hegemônico. Agora é o capitalismo financeiro”.

Assim, declara: “A esquerda terá que ser mais criativa e desenvolver novas formas de organização. Só a greve operária já não aglutina mais as massas. A greve por si só não tem se revelado uma forma de se fazer o reascenso do movimento de massas. A esquerda precisa sentar , ter humildade e ser mais criativa e ver outras formas: pela cultura, por outras manifestações de massas que possam ser peitar o governo, peitar o capitalismo”.

DERROTAR O SISTEMA FINANCEIRO

“Nenhum intelectual sério hoje defende o capitalismo. O capitalismo já é do passado.O capitalismo não resolve mais o problema da humanidade. No passado, ele foi progressista. Depois da Segunda Guerra Mundial, as políticas social-democratas capitalistas resolviam os problemas das massas. Hoje, o capitalismo já está no seu final. O capitalismo já não é solução. Ninguém pode defender o lucro como solução para os problemas da humanidade. O capitalismo já não é solução para a humanidade. O grande debate ideológico que se abrirá é sobre o que vamos construir no seu lugar”, diz.

É por essa razão, segundo ele, que voltam a ter presença as ideias do socialismo. Ele acha mais prudente falar em sociedade igualitária, socialização dos meios de produção, “que todos possam ter renda, trabalho, escola, casa, emprego, saúde, alimento saudável”.

Stedile defende que é preciso derrotar o sistema financeiro –“o inimigo principal de todos nós e a porta para derrotarmos o capitalismo e entrarmos para um novo modo de produção. E acrescenta: “Os nossos inimigos principais são os bancos e as corporações transnacionais. Sobre essa plataforma, nós conseguiremos ampla base social em todo o mundo”.

VENEZUELA, LULA

Na entrevista ao TUTAMÉIA, Stedile, 65, tratou de Venezuela, da Campanha por Lula Livre, da destruição promovida pelo governo Bolsonaro e de novos paradigmas para o desenvolvimento do país.

“O que está em jogo na Venezuela é com quem vai ficar com a renda petroleira. Se com as empresas petroleiras americanas ou com o povo da Venezuela”, resume.

“Trump está cada vez mais desmoralizado. Ele quer o petróleo [venezuelano] e precisa de uma causa externa. Ele vai perder as eleições. A derrota de Trump abrirá uma nova situação na geopolítica internacional”, afirma.

Stedile convocou manifestações por Lula Livre de 7 a 10 de abril. “Se alguém tinha alguma dúvida de que o Moro trabalha para os americanos, agora ele deixou atestado. Moro foi na CIA e ao FBI prestar conta para os seus verdadeiros patrões. Temos que protestar contra o Moro. O Moro não tem moral”.

EMBRAER É MAIS IMPORTANTE DO QUE A PECUÁRIA

Na avaliação de Stedile, “o Brasil precisa de um novo modelo agrícola que não esteja fundado no lucro e na produção de commodities para o exterior. O agronegócio como modelo de economia nacional já está falido. É uma burrice utilizar um território tão amplo como o brasileiro (300 milhões de hectares agriculturáveis), com soja, cana, milho, pecuária. Nenhuma economia do mundo pode se sustentar em dois ou três produtos agrícolas para exportação. E competimos com os EUA. Comprar briga com a China, que é nosso parceiro, é uma burrice. Essas contradições da geopolítica internacional vão aflorar mais rápida ao que imaginávamos”.

Para um projeto de verdadeiro desenvolvimento nacional, diz, “precisamos usar esses 300 milhões de hectares de forma mais racional. Temos que produzir alimentos saudáveis para toda a população, estimulando a pluricultura, não a monocultura. Todas as exportações de carne bovina no brasil representam 5 bilhões de dólares. A Embraer, sozinha, com os seus 100 hectares em São José dos Campos e doze mil operários e alta tecnologia exporta por ano 6 bilhões de dólares. A Embraer é mais importante para a economia brasileira do que a pecuária extensiva”.

Como exemplo dos descaminhos do modelo, o dirigente do MST fala da evolução econômica de Ribeirão Preto, antes baseada em várias culturas agrícolas. Hoje, “Ribeirão Preto só tem cana. A população carcerária de Ribeirão Preto é de 2.700 presos A população rural é de 2.400. Isso é modelo de sociedade? Em que a população carcerária é maior do que a população que se dedica à agricultura? Claro que não”.

Stedile discorre também sobre o impacto ambiental do uso de venenos nas monoculturas. E afirma:

“O Brasil precisa de um novo modelo agrícola que não esteja fundado no lucro e na produção de commodities para o exterior. Precisamos de outros paradigmas:

1. Produzir alimentos saudáveis para a população, com políticas públicas do governo que estimulem o produtor familiar;

2. A agricultura em que garantir trabalho, a fixação no meio rural. Como? Garantindo renda à agricultura que produz alimentos;

3. Proteger o ambiente;

4. Levar educação ao campo.

Isso é reforma agrária”.