Na manhã do dia seis de maio de 1954, um jovem estudante de medicina entrou em um hospital de Londres com pedidos estranhos. Precisava polir, afiar os cravos de suas sapatilhas. E necessitava de grafite para passar neles, para que não houvesse aderência de resíduos nos ferros.

Todos o conheciam, tinha sido uma das estrelas britânicas nos Jogos Olímpicos de Helsinque, dois anos antes. Não medalhara, mas batera o recorde britânico dos 1.500 metros. Seus desejos foram atendidos.

Depois de cuidadosamente preparar suas sapatilhas com o esmerado tratamento hospitalar, pegou o trem para Oxford. Imaginava, talvez, que a tarde lhe seria gloriosa, ainda que o dia não estivesse muito bonito.

De fato, horas depois era aplaudido por uma multidão entusiasmada. As três mil pessoas que lotavam as arquibancadas em Iffley Road despencaram para a pista de atletismo para pelo menos tentarem tocar no ídolo instantâneo.

Roger Bannister, então com 25 anos, tinha acabado de cumprir feito até então considerado impossível, além da capacidade humana: correr a milha em menos de quatro minutos.

A prova largou às seis da tarde em ponto, num evento que a Grã-Bretanha acompanhou segundo a segundo pelas ondas da BBC, com comentários de Harold Abrahams, ouro nos 100 metros nos jogos de 1924 e hoje imortalizado no filme “Carruagens de Fogo”.

Vestindo camiseta com o número 41, saiu para voltas bem equilibradas, puxado por marcadores também especialíssimos e velhos parceiros de esforço atlético de Bannister. Chris Chataway, futuro medalhista de ouro nos Jogos da Comunidade Britânica, e Chris Brasher, futuro medalhista de ouro olímpico, tinham sido seus coelhos em duas tentativas anteriores de quebrar o recorde.

A marca do sueco Gunder Haag, 4min01s4, já durava nove anos e ganhara aura de imbatível. Comentários de especialistas davam conta de que os quatro minutos para a milha eram a parede final para a capacidade humana.

“Aquilo tinha se tornado o Everest, um desafio para o espírito humano”, disse ele mais tarde.

Desafio enfrentado e superado por Roger Bannister, que viria a se tornar médico neurologista: ao final da tarde de seis de maio de 1954, ele terminara os 1.609 metros em 3min59s4.

A primeira milha sub4min da história foi também resultado da calma dos organizadores do evento. Naquele dia, por causa do mau tempo, a prova quase foi cancelada. Espera daqui, espera dali, largaram!

Deu no que deu.

Herói em Oxford, Bannister mal conseguiu receber o carinho da multidão. Exausto, teve de ser carregado logo depois de completar seu feito. A ficha só foi cair no dia seguinte, mas ele sabia exatamente o que havia conquistado, conforme disse à imprensa britânica décadas depois, quando completou sessenta anos:

“Atletas há anos estavam fascinados pela marca. Ela tinha um apelo diferente por exigir uma simetria nas voltas pela pista. O desafio tinha cativado a imaginação do público. Como estudante de medicina, eu não acreditava que o limite tinha sido atingido. Se tinha gente correndo em 4min01, alguém poderia baixar. Bastava que tudo estivesse certo no dia e que o corredor acreditasse em si mesmo.”

Bom, não estava tudo, tudo certo, mas deu certo de qualquer jeito.

Realmente, o limite não fora atingido: quarenta e seis dias depois, o australiano John Landy, correndo na Finlândia, baixou a marca em quase dois segundos.

O que não chegou nem a amarrotar o brilho da conquista de Bannister, que seguiu com sua vida. Foi sagrado “sir” pela monarquia britânica, recebeu montoeira de troféus, virou livro e filme.

Em 2011, foi diagnosticado com mal de Parkinson, doença que o levou ontem, a menos de um mês de festejar seu 89º aniversário.

Sir Roger Bannister, presente!