“No Equador se experimenta uma explosão social. Uma vez mais, não é a primeira. Problemas que vêm de muito tempo atrás se agudizaram. Há problemas estruturais de uma sociedade patriarcal, de uma sociedade colonial, de uma sociedade atada perversamente à venda de recursos primários, uma economia primário-exportadora. Os problemas se agudizaram desde 2019, quando o governo assinou uma carta de intenções com o FMI. Isso foi horas antes do início da pandemia. Na pandemia, quando as pessoas literalmente morriam nas ruas de Guayaquil, o governo de então, de Lenin Moreno, preferia pagar a dívida externa que atender às demandas da saúde”.
É o que afirma Alberto Acosta ao TUTAMÉIA. Economista, ele dirigiu a Assembleia Constituinte no Equador (2007-2008) e foi ministro de Energia e Minas. Autor de “O Bem Viver, uma Oportunidade para Imaginar Outros Mundos”, é um dos principais ideólogos do início da Revolução Cidadã no Equador.
Nesta entrevista, ele analisa as razões da atual revolta no Equador, trata da força dos movimentos populares e das reações do governo, das Forças Armadas, dos empresários e dos atores externos na conjuntura. Avalia os desdobramentos possíveis do levante e fala sobre a ascensão de governos progressistas novamente no continente sul-americano.
‘MAIS DO PIOR’
Acosta destaca os movimentos do governo no sentido de flexibilizar as legislações trabalhistas e ambientais. “As medidas que se estão adotando são conhecidas. Não é simplesmente mais do mesmo. É mais do pior”, afirma.
Para ele, o atual presidente, Guillermo Lasso, demonstra “incapacidade, insensibilidade, indolência e irresponsabilidade” no enfrentamento da crise.
“Mais importante do que o impeachment, é que se aceite para discussão, com resultados, os dez pontos da Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador, que lidera os protestos). Com esses pontos se pode estabelecer alguns freios ao vandalismo neoliberal”, declara.
Ele segue:
“Os grupos privilegiados se dão conta de que os movimentos sociais vão afetar as bases dos seus privilégios. Respondem tentando proteger os seus privilégios. Temos uma institucionalidade política em grave crise. É cada vez mais difícil resolver os problemas com as políticas tradicionais O crescimento econômico já não se consegue tão facilmente. Os problemas sociais se agudizam. A juventude no Equador, na América Latina e em todo mundo começa a perder esperança”.
Fala Acosta:
“Estamos vivendo essas lutas outra vez no continente. No Chile, na Colômbia, no Equador, no Haiti, no Brasil, na Argentina, no Peru. Vai chegando o dia em que os povos da América não vão esperar só a integração dos Estados, dos grandes capitalistas. Mas, sim, a integração dos povos. Vai chegando o dia em que teremos de ter redes de resistência e de re-existência, para sermos solidários quando alguns de nossos povos estejam ameaçados. Por exemplo, com a pandemia do neoliberalismo, que é uma verdadeira pandemia. É uma pandemia que nos obriga a lutar, tendo em conta que o neoliberalismo é só uma faceta do capitalismo, uma civilização que vive de sufocar a vida –dos seres humanos e dos seres não humanos, da natureza”.
Para ele, “o grande desafio é como construímos democraticamente sociedades democráticas, sem pedir permissão, desde baixo, desde as comunidades urbanas e rurais. As lutas têm que ser simultâneas: feministas, ecologistas, decoloniais e socialistas”.
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